Por Miguel Antunes
Participante da equipe de Carteis e Intercambio EBP-MG
A XXIII Jornada de Cartéis da EBP-MG aconteceria em junho deste ano, mas frente ao atual cenário de pandemia foi preciso repensar um modo de fazê-la acontecer. Graças ao empenho da diretora de cartéis, Maria Wilma Faria, e da diretora da EBP-MG, Helenice de Castro, tivemos um “acontecimento sobre cartel”, via Zoom, apresentado pela convidada Raquel Cors Ulloa (AE em exercício, membro da NEL e da AMP). Ou seja, duas bases da Escola de Lacan estavam postas: o cartel e o passe.
Dizer que foi um “acontecimento sobre cartel” não me parece nenhum exagero. A transmissão de nossa convidada, assim como a conversação que se sucedeu, teve como traço da transmissão uma forma rigorosa e viva. Tanto que uma das frases mais potentes dita por Raquel Cors Ulloa foi: “nada mais real do que a vida!” (Ulloa, 2020). Em tempos de pandemia e isolamento, impossível isso não ressoar em todos. Em seu texto, vários importantes pontos sobre o cartel irão ecoar em nossa equipe de cartéis da EBP-MG, mas me ocuparei de apenas alguns, por se tratar de uma resenha curta. Maria Wilma, em seu comentário, afirma que o cartel é formação, que este não tem nenhuma regra de ouro sobre seu funcionamento e que é também um modo de fazer valer a psicanálise no mundo.
O título dado por Raquel à sua intervenção, “O Cartel: Quatro mais um, sem dois”, já nos fazia querer escutá-la. Em determinado momento, ela afirma que um cartel, quando começa a estar cômodo, é o momento de dissolvê-lo. E acrescenta que ela nada tem contra os grupos, mas que devemos sim, ir contra os cinismos! E cita Beckett sobre um dos efeitos da psicanálise ser a possibilidade de fracassar melhor.
Outro ponto que merece destaque é a ênfase que Raquel Cors Ulloa dá a frase de Lacan de que o desejo de saber leva ao fazer, mas não se sabe o quê! E é exatamente esse vazio de saber que não se deve tamponar nem com o ideal nem com a mortificação, mas criar um modo de fazer junto, sem eliminar a causa singular de cada um. E afirma: é necessário fazer uso do 2 (S2) para poder dele se soltar e se soltar também como sujeito, como demonstrado em seu passe. Pois, segundo ela, o 2 é o responsável pelos obstáculos e pela rigidez tanto na vida como na prática clínica.
A transmissão em relação ao 2, ou seja, ao par, à cola, me remete imediatamente a Lacan, em seu memorável texto “D’Écolage” de 1980. No momento em que ele faz a passagem da EFP para a Causa Freudiana, ele se descola e decola: “eu dei o passo, de agora em diante irreversível, de dizê-lo” (Lacan, 2010), como acontece nos cartéis, em que cada um possa se descolar deste pequeno grupo e lançar seu produto próprio.
Nesse sentido, ao se descolar do 2, além de romper com a inércia sintomática, uma das possibilidades é um encontro com um furo mas, ao mesmo tempo, pode projetar rumo a um novo saber, advindo de um intercâmbio de ideias das mais diversas. Por isso, o produto do cartel deve ser algo sempre “contingente de sua elaboração” (Briole, 2010, p. 38).
Foi isso, e mais algumas outras coisas, que ressoaram e mim.