Por Jean-Daniel Matet
Convocado: tudo começa pelo enunciado dos seus sintomas aos diferentes interlocutores do 15, também chamado de SAMU; eles te levam cada vez mais a sério e te convocam com urgência ao serviço mais próximo. Tudo vacila. De homem gripado você se torna um doente com alto risco de morte, de contágio, etc. A lembrança dessas primeiras horas é nebulosa, tragada pela contingência e pela materialidade das coisas.
Trinta e seis horas mais tarde, meu estado de saúde é considerado alarmante e me propõem ir para um CTI que acaba de ser inaugurado. Não hesito. Você poderia assinar o protocolo de acesso aos cuidados experimentais? Hidroxicloroquina? Sim, claro! Quero apenas sair dessa situação e não é o telefonema noturno para uma pessoa de confiança, às três horas da madrugada, anunciando a urgência de um respirador, que me tranquiliza. Nada é capaz de te tranquilizar nesse momento da vida. Abandonado ao Outro da técnica e da ciência, a essa medicina, essa que não escolhi, que hoje desencadeia não apenas aplausos das 20 horas para os profissionais da saúde, mas também a admiração sem limites das mídias. Nunca ouvimos um Primeiro Ministro dizer: “Não sou advogado, economista, Enarque[i]…”, etc.; mas o que se repete ao longo dos dias é: “Sou médico”. Concordo com ele, essa medicina dos bons alunos, daqueles que não escolheram as finanças, que conservaram uma parte do ideal do bem do outro, merece nossa consideração e nossa admiração.
Mas a experiência está em outro lugar. Vocês nunca se perguntaram como vivíamos uma tal experiência? Respostas técnicas existem, certamente, na literatura médica. O que se tornam esses corpos manipulados – revirados, disseram-me – para permitir essa reanimação?
Tendo sido raptado por escroques, que me arrastavam de um país a outro, fazendo negócios em todas as línguas, eu podia entender espanhol, português; mas havia também línguas asiáticas incompreensíveis. O objetivo de fazer um filme se confirmava, finalmente. Não seria tempo, com efeito, nesse momento da minha vida, de mostrar aquilo que eu sabia fazer em um tal contexto? Para isso, era preciso sofrer transformações e resistir a uma espécie de envenenamento que supunha uma mudança do meu sangue com tecnologias cada vez mais modernas. As tentativas eram feitas com sangue amarelo, azul e, finalmente, incolor que, por fim, se impunha.
O que me surpreendeu desde o meu despertar – e que contei para os meus próximos – é a que ponto eu havia mobilizado um delírio para assumir a situação. Um delírio no sentido de que se trata de uma neoconstrução, que não é um sonho, cuja significação deve ser interpretada, mas uma sequência de asserções, de traduções de signos. Para o sujeito psicótico, a confrontação com a realidade não muda nada nisso. Eu tive a sorte de o meu caso ser diferente, o que me permitiu contar essa tentativa de preservar um corpo como lugar de uma experiência psíquica e subjetiva.
Estive em trabalho de delírio no tempo de um “desligamento” (curarizado para permitir a respiração artificial). Não seria um sonho e seu trabalho freudiano do inconsciente? Não, era uma construção, sólida, onde as zonas de perplexidade tentam ser preenchidas por restos de sentido sempre ineficazes. Mas o delírio tentava abrir caminho nesse sujeito privado artificialmente de um corpo.
Digo delírio porque eu estava preso a uma história cujas incoerências eu tentava resolver. Nenhuma estrutura médica tinha sido acessível em solo francês, e eu me encontrava, portanto, devido ao próprio rapto inicial, numa região longínqua, numa ilha com grande capacidade para cuidados médicos ou mesmo de transformação dos corpos, uma espécie de Fundação da AP-HP[ii] no estrangeiro, mantida por fundos privados. Molas (identificadas num segundo momento com os tubos que acompanham as máscaras dos respiradores) invadem minha cabeça. O essencial era me perguntar como eu ia voltar para Paris, distante também devido a condições técnicas. De avião, de navio, de ambulância? Ninguém me respondia e faziam-me compreender que o momento não havia chegado. Iria eu morrer longe dos meus? Mas o que estavam fazendo para me tirar dali todos aqueles que eu sabia serem capazes de recorrer aos mais influentes? Haviam me abandonado? Em outros momentos, bastava esperar para que o Outro me levasse de volta. Metade viagem cultural, metade viagem de negócios, tudo era feito também para tornar minha vida agradável, até me fazer participar de espetáculos teatrais de outra época, com velhos atores refugiados em suas imensas velhices nessas paragens longínquas, fazendo bicos por todos os lados e tentando distrair o turista bizarro que eu era, uma espécie de Sacha Guitry, num velho teatro de boulevard. Num espetáculo eu devia representar, o outro era entediante e patético. Tudo era muito longo, os espetáculos, a organização dos deslocamentos, etc. Nenhuma resposta quanto a minha volta a Paris.
Em seguida veio um período em que os enfermeiros me faziam perguntas; o uniforme do corpo médico confirmava minha ideia de que eu me encontrava no estrangeiro (roupas descartáveis, coques bem presos, luvas de uma espécie de azul Klein) – eu nunca tinha visto esses uniformes estereotipados para combater a contagiosidade do vírus. “Onde você está?”, me repetiam. Eu não sabia. Parecia o hospital da Pitié, a sua arquitetura, seus prédios, mas, a tal distância de Paris, isso só podia ser um fac-símile. Luzes, terraços móveis, como pontes de porta-aviões tornavam esses prédios hipertécnicos, bem diferentes daquilo que me inspirava esse hospital parisiense.
Eu tentava ler a logomarca na roupa de cama, nos materiais: “Fondation Oumany (ou algo parecido) – Assistência pública de Paris”, invenção que impunha que houvesse um vínculo entre esse estabelecimento e a AP-HP. Vínculo que permanecia misterioso. E esses pêndulos, os pêndulos ELAMI (a marca), cujo ponteiro grande era quase tão curto quanto o das horas, ele próprio muito mais contrastado, isso só podia corresponder a um costume local.
A insistência dos “cuidadores” em me localizarem no hospital da Pitié, enquanto eu ainda despertava, só reforçava a minha perplexidade. A posteriori, vislumbro o nível dos signos que eu tentava interpretar, apesar da minha “desconexão”: os odores – aqueles dos produtos de reanimação pareciam-me muito fortes e persistentes –, os inumeráveis barulhos das máquinas e o acolhimento dos corpos por essas pessoas admiráveis que garantem os cuidados mais elementares assim como os mais técnicos. Incapaz, até o despertar, de dar uma resposta estável a essa emergência de perplexidade, tive claramente a convicção de que esse delírio me permitiu conservar uma espécie de unidade psíquica que podia se estilhaçar.
Ao acordar, eu me achava pronto para subir em minha bicicleta, contando com uma percepção imaginária do corpo, mas, ao mesmo tempo, eu não era nada mais que a realidade de um corpo disperso em cada uma de suas funções, incapaz da menor coordenação. Levantar a mão ou o pé era um exercício de cosmonauta num planeta sem gravitação.
Renunciando à necessidade de transporte e reconhecendo, enfim, a arquitetura desse hospital onde minha formação médica de desenrolara, as ameaças se acalmaram.
Um enfermeiro que finalmente recolhia o testemunho da minha localização, propôs-me ver algumas imagens na televisão; descobri, três semanas após o início desse exílio, um planeta desabitado, e seus habitantes confinados como eu não podia imaginar.