Por Mônica Hage
A escrita deste texto é movida pela experiência de um sujeito analisante que, de repente, se viu diante de um acontecimento. A análise se dá à distância, como costumamos falar, quando não nos analisamos na mesma cidade em que moramos. Neste caso, ela acontece em outro estado.
Estávamos às vésperas do encontro, o que aconteceria por ocasião da Assembleia Geral da EBP, este ano em São Paulo. De repente, um movimento de grande apreensão diante das notícias de uma pandemia que tomava conta do mundo e agora adentrava o nosso país. Era o dia 13 de março quando a opção de cancelar a viagem se mostrou inevitável. A Assembleia estava ainda mantida, todos meio perplexos diante dos fatos e das atitudes a serem tomadas.
Alguns dias se passaram e uma mensagem é recebida: “… a análise vai seguir como puder ser… uma sessão virtual na próxima quarta…?”
Estava instalada a chance do encontro! Mas, logo em seguida, vieram inúmeras reflexões frente à possibilidade de uma sessão on-line, por telefone, seja lá como fosse que não incluísse o corpo. É claro que para todos tem sido meio esquisito. Para uns mais. Para outros menos. A prática clínica o revela.
Neste caso, no entanto, tinha algo muito particular. O fato de que o forte dessa análise era o corpo. Tudo nessa experiência de análise passava pelo corpo, era vivido na experiência. Havia pouca elaboração simbólica. Pouca busca pelo sentido. O que prevalecia era o sentir, no corpo. Então, de repente, como tirá-lo da jogada?! Talvez a questão fosse: como poder experenciar, no plano virtual, “a presença desse falante do corpo que não é discurso”?[1] Isso que fala, mas não é linguagem. Pulsa, posto que é pulsional.
É claro que, teoricamente, desde a perspectiva do último ensino de Lacan, falamos com o nosso corpo. É do corpo falante que se trata. Mas, na prática, nem sempre sentimos isso com a mesma intensidade. Cada análise é uma.
Então, se podia perceber que o falar era com o corpo, e que na verdade “O corpo não fala, serve para falar”[2]; se isso era sentido visceralmente, então rapidamente foi instalado o temor de que, sem o encontro dos corpos, não seria possível fazer qualquer enunciação, muito menos qualquer articulação que pudesse ser caracterizada como fruto da experiência analítica.
E como ficaria a presença do analista? Se, por um lado, são “os corpos reais que põem em jogo as paixões, o amor, a morte, a sexualidade e a experiência de uma Psicanálise”[3]; por outro, a presença do analista não tem a ver com a pessoa, “a presença do analista é ela própria uma manifestação do inconsciente”.[4] É o que funciona na transferência para que o inconsciente se manifeste. É algo que simplesmente acontece e isso independe do encontro propriamente dos corpos. Como diz a música de Caetano, “A tua presença entra pelos sete buracos da minha cabeça, a tua presença pelos olhos, boca, narinas e orelhas… a tua presença mantém sempre teso o arco da promessa…”
É fato inegável que a ausência do encontro de corpos torna a sessão virtual mais difícil. Mas, ainda assim, é possível perceber o efeito que a voz do analista é capaz de provocar enquanto eco no corpo. Em tempos de fim de mundo, e de isolamento social, a voz é o que pode ser transmitido de vivo num encontro virtual. Então, não se trata do corpo do analista, mas sim de algo que ressoa no corpo do analisante, e esse ressoar se dá enquanto objeto voz.
Nas sessões, algo pôde ser transmitido através das intervenções do analista, não pelo registro simbólico, pois não se trata da palavra dele, mas num registro que chamarei de corporal, real. Em outras palavras, seria a linguagem à nível do corpo. Aquilo que ressoa no corpo à nível libidinal. Isso é a pulsão; libido. A presença do analista se fez na voz. E, com certeza, não é qualquer voz do outro lado da ligação. A voz enquanto objeto que se recorta do corpo. Como diz Lacan[5], “a voz responde ao que é dito, mas não responde por isso”, ou seja, “para que ela responda devemos incorporar a voz como alteridade do que é dito”.
As sessões se seguem, uma diferente da outra. As primeiras com imagem, as seguintes só com a voz. A mistura das duas demonstrou ser importante.
O que concluir dessa experiência? Se Miller[6] nos disse, em 1999, que o fato de “se ver e se falar, isso não faz uma sessão analítica”, e que a importância da “presença de ambos em carne e osso, é necessária”, o que estamos fazendo nessas experiências virtuais?
A experiência de analisante, na forma virtual, é muito recente para concluir algo. Mas nos valemos de uma bússola, que norteia a prática clínica: sem standards, mas com princípios. Então, seguindo com esses princípios, mas alertados de que não deveremos nos fixar a standards, e o que importa é que a análise aconteça, penso que será no só depois que iremos recolher o que se passou nesta experiência tão inusitada, quase apocalíptica, de tamanho isolamento de corpos, mas que ainda podemos, com o recurso da voz, se deixar afetar e fazer vibrar o nosso corpo.