Por Nohemí Brown
O impacto que o COVID-19 tem tido nas nossas vidas tem a marca do sem intervalo. Algo que, se inicialmente se via como se fosse em um lugar remoto, estrangeiro, nos chegou com uma velocidade inigualável no mais íntimo dos nossos espaços: cidade, trabalho, casa.
As medidas de cuidado não aliviam, no cidadão, a angústia sobre um porvir que não se sabe. O isolamento social implica um momento de perda, se perde a forma de colocar o corpo: na vida, na cidade, na análise. Entre o isolamento e o fechamento das fronteiras, a internet tem se aberto como uma janela desde a qual teremos que avaliar o que se sustenta e desde onde pode se localizar o laço que dê lugar ao impossível de suportar.
Se a queixa comum era a de não ter tempo, agora a questão que se coloca é o que fazer com o tempo em casa sem a rotina que organizava a vida e onde o imprevisto tinha seu lugar. Somos convocados a uma forma, sem precedentes, de colocar o corpo que facilmente pode se deslizar para a paralisia, a impotência ou o desamparo. Como analistas, sabemos do valor do trabalho psíquico, como preservá-lo? Se bem nos encontramos em uma situação que nos levou muito rapidamente a incorporar ações, não sem responsabilidade, das quais teremos que ir elaborando seus efeitos. Não dá para acelerar esse tempo de compreender, ele será uma constante. Mas a situação atual veio como um agente provocador, que nos convoca a construir um saber e a dar conta do nosso fazer. Neste sentido, a Escola é um espaço para poder colocar a trabalho os diferentes achados, às vezes discretos, mas que nos orientam no bom laço com a causa e com o fazer analítico.
Uma das situações mais delicadas são as crianças em casa e os responsáveis por eles assumindo também parte do ensino escolar. Abre-se um tempo inédito no laço familiar? O que implicará para as famílias a educação em casa, não como uma escolha, mas como uma escolha forçada? No caso das crianças em atendimento, a via on-line pode ser a mais limitada, dependendo da idade, mesmo que às vezes possam se dar das formas mais originais.
Na cidade, um gesto solitário pode encontrar eco e fazer laço desde a janela do apartamento. Uma forma de fazer vibrar o corpo. Sejam os aplausos, sejam as panelas. Formas de colocar o corpo e fazer o laço.
Por outro lado, leio a notícia de que profissionais da saúde, que ao usar o transporte público ou as vias públicas, são agredidos pela ameaça que implicam com relação ao vírus. Ou do seguimento de pacientes, em outros países, por meios eletrônicos. Teremos também novas formas de segregação?
Poder formalizar os efeitos que este momento introduz na vida, nos laços e na própria experiência analítica é um trabalho que precisaremos ir fazendo pelos meios que nos permitam continuar a elaboração neste tempo.