Laura Rubião (Coordenadora do Lacan na Academia – Conversando com a Literatura)
A Academia Mineira de Letras em parceria com a Escola Brasileira de Psicanálise –Seção Minas Gerais deu início, em 2018, aos encontros de “Lacan na Academia – conversando com a literatura”, trazendo à cidade um espaço vivo de discussão em torno de temas pulsantes da vida contemporânea que tocam a sensibilidade de escritores, artistas e psicanalistas.
Vivemos um tempo em que as certezas veiculadas pelo Discurso da Ciência se tornam mercadorias e operam, muitas vezes, como sedativos ou anestésicos para o inevitável encontro com o real que tanto a arte quanto a psicanálise insistem em fazer falar. Os encontros – conduzidos por psicanalistas, escritores e artistas – buscam resgatar a inquietação da vida que brota do litoral entre a ficção e os corpos, na mira de um despertar sempre aberto à surpresa e à pluralidade de respostas sintomáticas, capazes de resistir à pressão superegoica do mestre contemporâneo.
No primeiro semestre de 2019, inspiramo-nos no tema IX Enapol, “Ódio, cólera, indignação”, para recolher tanto do campo da Literatura e das Artes quanto da Psicanálise, os efeitos da incidência desses três afetos na subjetividade de nossa época. Tivemos a oportunidade de receber o escritor Michel Laub que pôde conversar conosco sobre o ódio destilado através das redes sociais, tema central de seu livro “O tribunal da quinta feira’. Cólera e indignação vieram na sequência a partir da genialidade de escritores como Raduan Nassar e Philip Roth.
Prosseguimos, com entusiasmo e alegria, costurando os temas de nossos congressos e jornadas às suas ressonâncias literárias e, desse modo, vemos o ‘Sonho’ e o ‘Tempo’ brotarem das páginas de autores como Graciliano Ramos, Borges, André Breton, com toda a carga de seu mistério e encantamento, essa que alimenta a vigília do psicanalista, sempre na tênue divisa entre o sonho e o despertar. Em breve, visitaremos algumas figuras femininas da literatura que testemunham a experiência da (in)familiaridade na trilha da investigação aberta pelo próximo Encontro Brasileiro. A obscena Senhora D. de Hilda Hilst e Medéia de Eurípedes são exemplos vivos de como a densidade do gozo feminino pode operar como causa maior de nossa atividade desejante.
Agradeço à Helenice de Castro (Diretora da EBP-MG) e à equipe do Lacan na Academia (EBP-MG), bem como a toda a equipe da Academia Mineira de Letras, pela oportunidade que me foi dada de estar à frente deste trabalho, podendo, assim, manter viva a aposta na via de um esforço de poesia para cernir a ponta do real que tanto perturba quanto anima a existência de todo falasser.
Agradeço também aos colegas do campo freudiano, artistas, escritores e docentes que, a cada vez, nos brindam com saborosas conversas, além de não nos deixarem esquecer a força do dizer de Ferreira Gullar: a arte existe, porque a vida não basta.