Por Mirmila Musse
Este texto foi elaborado para a atividade de intercâmbio que aconteceu no dia 04 de setembro de 2019. Proposta pela comissão de Cartéis e Intercambio da EBP- SP, a atividade tinha por objetivo discutir o documentário “Dia de Festa”. Para tanto, o diretor do filme, Toni Venturi esteve presente acompanhado de algumas das personagens do documentário.
Nohemí Brown propõe uma rubrica na Correio Express com o objetivo de pontuar as atividades de Intercâmbio nas diferentes Seções. Segundo ela, tais atividades podem possibilitar um bem-dizer a partir da troca do vivo da enunciação, em que “é possível localizar o limite [de cada um] dos saberes”, sem que para isso seja necessário oferecer ou extrair uma verdade específica de um deles[1]. Nesta via, além de propor um encontro com uma das questões do social mais pungente da cidade de São Paulo, a atividade pôde ainda instigar a Escola, como um encontro preparatório para do IX ENAPOL, que tinha como tema “Cólera, Ódio e Segregação”.
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A indignação é um afeto à afronta contra a dignidade. Uma resposta singular que surge como uma das saídas possíveis ao sentimento de ter sofrido violência, muitas vezes experienciado diante da segregação do Outro social. Entretanto, sabemos que, no paradoxo inerente a este afeto, assim como na cólera e no ódio, a indignação, ao se direcionar ao Outro, retorna ao próprio sujeito.
É impossível pensá-la sem considerar o seu oposto, ou seja, a dignidade como significante do discurso social, da representação da lei, do universal e do ideal. Mas o “para todos” não inclui o gozo do Um. Quando se pensa a indignação como resposta ideal ao universal do direito à dignidade, esse afeto pode levar aquele que a porta ou ao risco da vitimização ou à esperança de justiça social. A consequência, no primeiro caso, pode levar à passividade e à paralisia. Mas, como alerta Lacan em Televisão, no segundo caso em que a indignação é tomada como um afeto em si e, como objeto de ruminação, pode levar à morte. Esse é o complexo paradoxo da democracia: não há como pensar o “para todos” incluindo o gozo do Um. Entretanto, nenhum outro regime inclui a liberdade e o singular a não ser ele próprio.
Poderia a arte ser tomada como um destino possível para que se elabore o afeto da indignação? É ela um tratamento do gozo singular que toca o sujeito em sua relação com o Outro, consequência dos efeitos da linguagem que marca o corpo? Em caso afirmativo, é necessário considerar o objeto, a Coisa, Das Ding, como mediador entre o real e o significante, pela sublimação. Nessa ótica, a arte caracteriza-se, de certo modo, como uma maneira de organizar o vazio onde antes havia um furo.
O documentário “Dia de Festa”, de Toni Venturi e Pablo Georgieff, apresenta, entre infinitas escolhas possíveis da vida, o desejo e a relação de quatro mulheres com um grupo constituído em favor da luta por moradia na cidade de São Paulo. No filme, há um posicionamento claro e decidido, tanto nos testemunhos quanto dos diretores, sobre como responder à indignação da violência do Outro social. Mas isso sem eliminar ou velar os questionamentos da própria posição subjetiva. Tanto no trabalho da direção quanto nos testemunhos, a indignação se apresenta a partir do vazio da existência humana de cada um.