Por Louise Lhullier – Psicanalista Membro da EBP/AMP
Esta foi uma das questões que ficaram ressoando a partir da fala de Márcia Zucchi na Noite de Biblioteca realizada no último dia 4 de outubro na EBP-SC[1].
Em seu livro Outro corpo; inconsciente, sintoma e a clínica do corpo, Márcia situa os problemas da prática da psicanálise nestes tempos marcados pela “queda dos ideais paternos coletivizadores”, dos “ideais de identificação coletivos e das grandes narrativas em torno das quais se podiam organizar as subjetividades”, com seus efeitos de “fluidez dos laços simbólicos”. Observa-se “uma espécie de descrença no simbólico” e, nessas circunstâncias, o Outro já não se apresenta como consistente, mas, sim, como “plural, localizado e fluido” (ZUCCHI, 2015, p.28), enquanto a ênfase recai sobre “o gozo do corpo em sua face solitária ou autista” (ZUCCHI, 2015, p.255)
É nesse contexto que a autora propõe que as mudanças que incidem sobre as atuais possibilidades de organização da subjetividade exigem a postulação de uma nova “questão preliminar” ao tratamento psicanalítico: verificar o Outro e sua consistência a cada caso. Em suas palavras:
[…] as práticas analíticas são hoje frequentemente precedidas de uma fase preliminar, cujo principal objetivo é discernir a que Outro o sintoma do sujeito está referido (se é que está referido a um Outro, podendo não estar, como no caso do autismo). (ZUCCHI, 2015, p.30)
Além disso, esclarece, é “necessário, muitas vezes, que a análise venha a tratar esse Outro” (ZUCCHI, 2015, p.29)[2]. Dessa advertência derivam outras questões importantes: quando e como dar tratamento a esse Outro que não apresenta a consistência da metáfora paterna, de tal forma que seja possível a instalação da transferência, a constituição do sintoma analítico e das condições para a interpretação? Quais as peculiaridades do tratamento desses sintomas que se apresentam como “novos” ao dispositivo analítico, de tal forma “que pode ocorrer sem que um enigma […] esteja implicado na queixa”? Como manejar as dificuldades no estabelecimento da transferência e na instalação do sintoma analítico quando a “própria divisão subjetiva que um sintoma analítico implica pode ser elidida por um conjunto de “saberes” e “nomeações” disponíveis em um teclado de computador?”. (ZUCCHI, 2015, p. 31)
Apontando a peculiaridade da conexão entre linguagem e corpo que marca nossa época, em que “a prática compulsiva é quase sempre a norma em relação ao corpo”, Márcia destaca os “excessos de investimentos corporais da atualidade” e a importância do conceito de gozo para a abordagem dos sintomas que lhes correspondem, ali onde “a lógica do desejo e sua satisfação parece insuficiente” (ZUCCHI, 2015, p. 28-29).
Essa questão primordial para a psicanálise – a articulação linguagem-corpo – se apresenta nos sujeitos que buscam tratamento analítico para o que nos acostumamos a designar como “novos sintomas”, a um Outro corpo, a uma alteridade do corpo que, ao contrário daquela assinalada por Freud e Lacan, já não remete ao Outro e sua consistência.
Essa nova apresentação dos sintomas, que já não respondem à interpretação clássica, convoca o analista a “entrar mais no jogo analítico com seu corpo (seu olhar, sua voz, sua disponibilidade para os aparatos eletrônicos etc.) do que seria necessário há algumas décadas” (ZUCCHI, 2015, p.31).