Ainda recolhendo os efeitos da conversação que realizamos no último Congresso de Membros da Escola Brasileira de Psicanálise, no dia 13 abril de 2019 em São Paulo, o tema das paixões que se jogam na experiência psicanalítica veio iluminar uma segunda conversação, que ocorreu em Florianópolis no dia 27 de julho, da qual participaram os membros do Conselho da EBP e membros de Escola do Paraná e de Santa Catarina.
A dissolução das Delegações já é um fato na EBP e que ela cause paixões não é de se estranhar. Verificamos os efeitos de Escola que a dissolução já vem produzindo entre nós, quando o caminho para que a desejada Seção Sul se consolide ainda está em construção. Na conversação, descobrimos que entre Curitiba e Florianópolis, no meio do caminho tinha o Porto de Itajaí, uma das pedras nesta nova configuração geográfica e libidinal que se delineia na EBP.
Entrar nesse dispositivo requer abrir-se à ausência de respostas para dar lugar ao saber que coletivamente se elabora. Foi preciso, ademais, dar voz ao silêncio e aos equívocos que falam da solidão radical do ser falante, da Itajaí que há em cada um e à qual se é remetido na experiência. Mas não se trata simplesmente de “dar a palavra”, quando o ser falante já é perturbado pela palavra que o parasita [1]. Além disso, diante da psicoterapia generalizada e da busca desesperada pelo sentido foracluído pela ciência, basta oferecer a palavra para desencadear o gozo do blá-blá-blá, extraviando ainda mais o sujeito na busca infinita pelo sentido que sempre escapa.
Que a prática da conversação seja uma experiência efetivamente analítica e afinada ao conceito de Escola para Lacan é sempre uma aposta. A experiência da Escola como sujeito, segundo vias abertas por J.-A. Miller, implica, não um conjunto de indivíduos, nem mesmo de “psicanalistas”, mas justamente aquilo que vem perturbar a unidade que dá corpo às identificações imaginárias. Um coletivo mais digno seria aquele capaz de provocar o “sujeito do individual”, o efeito de sujeito que fratura o indivíduo abalando as identificações – contrariamente ao empuxo dos grupos identitários que proliferam na contemporaneidade e às “sociedades de assistência mútua contra o discurso analítico”, segundo ironizou Lacan.
Não há garantias de que o sujeito emerja como efeito da formação que a experiência de Escola propicia, nem tampouco que o real sempre em jogo na experiência analítica tenha seu lugar. A experiência analítica comporta um mistério, indizível, um limite a toda ficção possível que a própria prática da palavra engendra.
Da minha própria experiência de análise recolhi os efeitos da ética que orienta um desejo. É preciso não retroceder frente à paixão de bem-dizer o real do gozo a ser cernido e que às vezes emerge cobrando sua estranha satisfação. O que não significa dizer tudo nem extraviar-se no gozo do sentido, como tampouco mergulhar no real naufragando no gozo fora de todo alcance. Bem-dizer requer a arte de tocar aquilo que fica fora do comum, e que poderá ser delineado por cada um numa conversação a partir daquilo que não se pode esquecer no que se diz atrás do que se escuta. Assim, a enunciação terá seu lugar, não sem os cortes, algumas costuras e as peças soltas que sempre restam.
A maneira como cada coletivo lida com esse real impossível na própria transmissão do saber psicanalítico, talvez aluda ao que Romildo do Rego Barros [2] chamou de “autoria coletiva da Escola”. Um saber que se sedimenta, como o estilo, ao longo do tempo.
Um estilo não promove a identificação entre os membros de uma comunidade. “Façam como eu – dizia Lacan –, não me imitem”. Mas guarda uma íntima aliança entre o instrumento que faz a marca, o stilus dos antigos escribas, e a letra, a marca que identifica um autor pelo modo singular de fazer seu traço, a maneira como cinge, a cada vez, um real sempre em causa.