O tema do próximo ENAPOL não poderia ser mais atual. O mundo assiste atônito à escalada de ódio, cólera e indignação que ganhou uma amplitude global nos últimos anos. Racismo, sexismo, homofobia, rivalidades religiosas, xenofobia, parecem estar mais do que nunca presentes em nosso cotidiano. Se antes estas paixões mortíferas pareciam encarnar em outros distantes, hoje elas estão incorporadas nos amigos mais próximos e nos familiares mais queridos.
Não podemos compreender a escalada do ódio no mundo atual sem compreender os efeitos da presença maciça da internet em nosso cotidiano. De dez anos para cá, o advento dos smartphones e das redes sociais fizeram com que o uso da internet se intensificasse e se transformasse. Doravante estamos conectados o tempo todo, pois os smartphones passaram a fazer parte do nosso corpo. Segundo Éric Laurent, a internet transforma o regime de gozo do sujeito contemporâneo, lhe oferecendo “um campo de expansão formidável para a loucura narcísica” (1), esta que Lacan chamou de “paixão da alma por excelência” (2).
Com as redes sociais, a biopolítica assume um alcance antes impensável. A arquitetura do Facebook e do Google é desenhada para nos fazer permanecer o maior tempo possível online. Nosso “engajamento” na rede permite que seus algoritmos possam captar os significantes que nos representam e circunscrevem nosso modo de gozo, para vendê-los no Mercado. O ódio e a segregação passaram a ser incitados pelo próprio funcionamento dos algoritmos. São paixões que nos engajam e estas empresas sabem disso. A internet não é apenas um meio de expressão. Ela põe em evidência um dos maiores ensinamentos de Lacan: a precedência do Outro em relação ao sujeito. Somos todos, como bem disse Laurent, “internautres” (3), ou seja, assujeitados ao Outro dos algoritmos, que constituem hoje uma espécie de infraestrutura da subjetividade de nossa época.
Assim, a Escola Brasileira de Psicanálise, atenta ao momento atual, tem se debruçado intensamente sobre as noções de “ódio, cólera, indignação”, na obra de Freud e Lacan, tema do próximo ENAPOL. Os eventos preparatórios estão acontecendo em todas as regiões do país. Um rápido sobrevoo nos ajuda a ter uma ideia geral da vibração da Escola em torno do tema: Na Bahia, aconteceu em abril a conferência de Fernanda Otoni, que teve como título “As paixões pela greta. O que a psicanálise pode nos ensinar”, coordenada por Tânia Abreu. O segundo encontro preparatório realizado na EBP-Seção Pernambuco ocorreu no dia 07 de maio, em torno do episódio “Urso Branco”, da série Black Mirror, que foi comentado por Késia Ramos e Paulo Carvalho. Em Minas, aconteceu em 8 de maio o evento O tribunal do ódio, na Academia Mineira de Letras, com o escritor Michel Laub, sobre seu último livro O Tribunal da quinta-feira. A atividade foi coordenada por Laura Rubião e teve como debatedores Ana Lydia Santiago e Henri Kaufmanner. Também no finalzinho de maio, em São Paulo, Luis Fernando Carrijo da Cunha apresentou o tema “A alteridade no ódio”, coordenada por Alessandra Pecego. No Rio, o Seminário de Orientação Lacaniana de 03 de junho teve como tema “O psicanalista e suas paixões” com apresentação de Cristina Duba, comentários de Ondina Machado e coordenação de Heloísa Caldas. Em agosto, A EBP de Santa Catarina, irá realizar a preparatória “Ódio, Cólera e Indignação: a Trama dos Conceitos”. Na seção “Noite das Paixões”, no site do Encontro, podemos acompanhar o que está acontecendo por aqui e também nas outras Escolas da AMP-América, nossa pulsação em rede. Vamos em frente!