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Extimidade
Laureci Nunes e Eneida Medeiros Santos
 

Em 16 de agosto deste ano, a comunidade da EBP-Seção SC foi brindada com mais uma conferência da série promovida pela atual diretoria: “O ensino dos AMEs”. Desta vez, recebemos a colega AME Nora Gonçalves, da seção Bahia, que desenvolveu o tema da “extimidade”.

Nora baseou sua fala em alguns capítulos do curso homônimo de Jacques-Alain Miller, de 19851, e situou o neologismo lacaniano “extimidade” – elevado ao patamar de conceito por JAM –, salientando que ele foi mencionado por Lacan pela primeira vez no seminário da Ética, de 1958. Recordando Ricardo Nepomiachi, Nora destacou que, em 1980, em Caracas, Miller disse que iria anunciar um outro Lacan: já não era o Lacan do significante, mas sim o Lacan do objeto a, do gozo. Nora Gonçalves acrescenta que após estabelecer o seminário da Ética2, Miller resolveu estabelecer o seminário De um Outro ao outro, de Lacan3, justamente porque o último estava em relação lógica com o primeiro, no movimento do ensino de Lacan. No seminário da Ética, o termo “extimidade” aparece em relação com das Ding, com a Coisa. Já no Seminário 16, ele faz referência ao ponto vazio da estrutura.

Por essa razão, JAM eleva o significante “extimidade”, ainda que mencionado poucas vezes no ensino de Lacan, ao estatuto de S1. O Outro da extimidade em relação ao significante é o gozo, o objeto a. Desse modo, a estrutura da extimidade nos ensina sobre a intrusão do real no simbólico – questão contemporânea ao momento em que Lacan buscava localizar a Coisa. Ela também se dirige à topologia lacaniana, já que revela uma subversão do espaço, em que o dentro e o fora estão numa relação contínua, ou seja, aquilo que é exterior ao sujeito é o que está mais próximo dele sem, contudo, deixar de ser exterior. Trata-se de uma exclusão interna.

O ponto de real da estrutura nos serve para pensar os envoltórios do amor, bem como as questões relacionadas com a política e com a religião, com o psicológico e com o psicanalítico. No amor – e inclusive no amor de transferência –, o objeto, o resto está incluído no Outro, formando uma espécie de vacúolo de gozo. Segundo Nora, o curso Extimidade é, no fundo, um curso sobre a transferência. Como tal, ele apresenta indicações sobre o apego transferencial, sobre das Ding, sobre a exterioridade íntima, e demonstra que, embora o gozo seja veiculado em todos os discursos, é o discurso analítico o único que dá tratamento a ele. Ao relembrar que a extimidade está no centro do amor e do desejo, Nora faz a diferenciação entre o ôntico, que está relacionando ao gozo, ao objeto a, e o ontológico, ligado ao significante, que dá sentido ao ser.

Lembrando o filósofo e sociológo polonês Zygmunt Bauman, Nora discorre sobre o paralelo entre extimidade/intimidade e a contemporaneidade, quando a intimidade é exposta nas redes sociais sem pudor. Da mesma forma, como o Um vem do exterior, é estranho ao sujeito e, como não se pode amar o que é mais próximo, então esse Outro que está em meu interior é também objeto de ódio – o que possibilita pensar de outro modo o racismo, o sexismo e todas as práticas de segregação atuais. O ódio aponta ao real do gozo do Outro.

Após assinalar que a teoria dos nós, em Lacan, é uma tentativa de flexibilizar os matemas, Nora Gonçalves fez aportes sobre os paradoxos da identificação, lembrando que a identificação responde a partir do exterior àquilo que é do interior. Trata-se do hiato da identidade do sujeito consigo mesmo: o labirinto das identificações tem no centro um vazio e, por isso, quem demanda desconhece o que pede. Nora acrescentou que, no convite do analista a associar livremente, há uma intimação e, citando Miller, “O valor próprio de intimar é introduzir no íntimo, conduzir ao íntimo de alguém […], dar a conhecer”4 .

A conferência foi seguida de caloroso debate com a participação dos presentes que lotaram a sala da Seção e revestiu-se de importante momento de afinamento epistêmico, clínico e político.



1 MILLER, Jacques-Alain. Extimidad. Buenos Aires: Paidós, 2010.
2 LACAN, Jacques. O Seminário – A ética da psicanálise, livro 7. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
3 LACAN, Jacques. O Seminário – De um Outro ao outro, livro 16. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
4 MILLER, Jacques-Alain. Extimidad. Buenos Aires: Paidós, 2010, p. 16.

 

 

   
 
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