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Em 22 de setembro tivemos a oportunidade de nos reunir para uma nova conversação, a convite do Programa de Saúde Mental da PMRP, em parceria com a Escola Brasileira de Psicanálise – Seção São Paulo, na cidade de Ribeirão Preto. Foi a terceira na série de conversações realizadas durante este ano: a primeira, dedicada às “Urgências Subjetivas”, a segunda à “Agitação dos corpos adolescentes”, esta às “Diversas faces do suicídio”. Contou com a participação de profissionais da Rede de Saúde Mental, dos NASF, CAPs, alunos de psicologia, enfermagem, professores de escolas particulares de Ribeirão Preto e região.
A conversação se deu em torno dos impasses trazidos por duas profissionais da rede de atendimento da saúde mental da cidade. Denise Aparecida de Freitas, psicóloga da UBS Castelo Branco, trouxe o atendimento de uma mãe que perdeu a filha adolescente por suicídio. Denise apresentou as questões e o delicado manejo no atendimento da mãe, nomeada “sobrevivente”, diante da intensidade da dor e da falta de sentido experimentadas frente à perda da filha. Heloísa Mian, psiquiatra infantil do CAPS IJ, trouxe o caso de uma adolescente que também chegou à consumação do suicídio e apresentou as dificuldades vividas pela equipe na trajetória do seu atendimento até sua morte. Fernando Prota, membro da EBP/AMP, trouxe importantes pontos de abertura ao fazer os comentários acerca dos impasses, e Silvia Sato, membro da EBP/AMP, provocou e coordenou a conversação.
No início, colocou-se o incômodo que atravessa os profissionais da rede de saúde mental, diante do que é recebido como imperativo da evitação dos casos de suicídio. O Ministério da Saúde1 aposta na prevenção a partir da detecção dos “sinais de alerta” de tal forma que a ocorrência do suicídio parece recair como uma “falha” frente ao que poderia ter sido “prevenido”. Localizou-se, a partir disso, a importância de reconhecer o suicídio como uma possibilidade frente à impossibilidade da prevenção absoluta. Esta questão retornou em vários momentos com elaborações acerca do ideal e da culpa que permeiam o atendimento dos casos que chegam à rede e que podem produzir o próprio fechamento da escuta.
De forma não programada, os impasses trouxeram à cena a “agitação dos corpos adolescentes”. Tocada esta questão, ela se desdobrou em alguns sentidos. Conversou-se sobre algo da particularidade da adolescência enquanto sintoma dos efeitos de um encontro que por vezes torna-se insuportável ao jovem, conduzindo-o a uma passagem ao ato suicida. Levantou-se também o que pode se apresentar como “um mínimo”, um “curto-circuito”, na situação vivida pelo adolescente que desencadearia seu ato. Um mínimo que não se confunde com o banal e que diz respeito a um impossível de dizer, mas também de suportar, frente à vida. Impossível entendido como um real que emerge nas situações vividas e sobre o qual faltam palavras que possam dar contorno à experiência.
A passagem ao ato das adolescentes pode remeter a um absoluto frente à vida: viver tudo ou nada! Isso foi articulado ao ponto do ideal e conduziu à questão sobre o modo de vida contemporâneo, marcado pelo consumo e pelo imediato da satisfação. Marcou-se o que do consumo joga com o apagamento do sujeito: con-suma! Algo que fez reverberar o questionamento de Serge Cottet2 sobre o suicídio, apresentado como elemento que esclarece a sociedade, e não o contrário, na medida em que revela seus impasses.
Frente ao impossível que se colocou do lado dos casos e também dos profissionais que os atendem, lançou-se a possibilidade da escuta, do acolhimento da palavra como forma de “esculpir o vazio” frente ao sem sentido que por vezes ameaça aspirá-los. Algo como “restar estar ali” e “tolerar a falta de sentido” foram formas de dizer sobre a presença do profissional nos atendimentos. A oferta da palavra não se coloca como garantidora da vida, mas, na aposta assim lançada, apresenta-se como espaço possível a ser usado na construção de uma borda em torno do vazio, a partir de algo radicalmente particular e não de sentidos tomados de empréstimo.
De fato, a oferta da palavra tomou alguns sentidos, ponderando-se que dar consequências ao dito recebido nos atendimentos não se confunde com o atendimento de qualquer ideal, como produzir “a família feliz” demandada por uma das jovens, mas implicar cada um em seu próprio dizer, levando em consideração que “fazer membrana na ‘matéria vida’” é assunto a ser trabalhado com a “modéstia”, como indicado por Éric Laurent3.
Quanto ao atendimento das pessoas na cidade, colocou-se a necessidade de uma rede que possa ser tecida entre os profissionais que atuam em situações limite. Localizou-se aí o desejo de seguir na conversação a fim de enredar-se das melhores formas. A própria conversação foi entendida como uma forma de dar tratamento ao impossível em jogo.
Trata-se de uma conversação que se coloca distante de um ideal, mas aberta ao real que nos atravessa; não chega a uma compreensão sobre o tema, mas se lança à experiência de levar a questão do suicídio a novas aberturas. Eventualmente pode nos conduzir a “outra língua” – como o alemão que se apresentou durante a conversação e nos instigou com a tradução dos seus termos para o suicídio como o “assassinato de si” ou a “morte livre”.
Isso pode abrir outra conversação.
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