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Em agosto de 2018, a convite do diretor geral da EBP, nos reunimos em São Paulo para uma conversação sobre a “Escola sujeito”, conceito extraído do texto de Jacques-Alain Miller; “A teoria de Turim”. Como diretora de tesouraria e secretaria da Seção RJ, me interessei em falar sobre a tensão entre a burocracia e o desejo, sustentando que o funcionamento de uma Escola de psicanálise não deve oferecer a seus membros o descanso engessado da burocracia, num funcionamento automático que tende ao adormecimento da vida da Escola.
Como tema para discussão, proponho pensarmos o texto de Miller (2016) a partir da proposição de Lacan de que “não instituímos o novo senão no funcionamento” (LACAN, 2003, p. 248). Miller considera que “uma escola em formação é uma unidade dinâmica” (MILLER, 2016, p. 1). Sendo assim, seu processo de fundação e formação deve ser subjetivado por aqueles que se dedicam à sua construção, não devendo ser considerado como um assunto meramente burocrático. Esse processo de subjetivação é a própria formação da Escola. Ela não advém só ao final, a não ser como objeto, e sim se constitui no processo, antes e depois do ato de sua fundação. O que se propõe, então, é fazermos Escola, ou pelo menos tentarmos, a cada vez.
A Escola existe quando a partir e em torno de seus significantes vemos se reunirem seus membros, suas subjetividades, apoiadas em uma causa, sempre singular e solitária, mas que se coletivizam a partir do esforço de sua transmissão. Segundo Miller (2016, p.8), a “Causa Freudiana” enraizada na subjetividade de Freud e em seu desejo inédito, é um significante Ideal em torno do qual se agrupou a Escola de Lacan. Mas foi preciso a formalização dessa causa, a qual foi interpretada e decantada por Lacan. Segundo Miller (2016), daí se extrai o desejo do analista, que pode ser lido como o desejo de separar o sujeito dos significantes mestres que o coletivizam, fazendo surgir a diferença absoluta e circunscrevendo a solidão subjetiva, marca de um real em torno do qual nos reunimos em transferência de trabalho na Escola.
O desejo em causa dá leveza ao trabalho pesado, ao passo que a injunção superegoica faz pesar até o trabalho mais leve. Sendo assim, a cada vez que surge um convite ao trabalho, nos vemos em posição de subverter a convocação em causa, nos perguntando: onde tal demanda pode se enlaçar ao desejo de Escola, em que nos apoiamos para sustentar nosso trabalho?
Se partimos da demanda do Outro com a pretensão de silenciá-lo, nos colocamos em posição de objeto sacrificial, dando consistência ao gozo do Outro, abrindo a via para a angústia e o adoecimento, o que seria a via oposta a proposta por Miller, onde o que precisa vigorar como orientação de trabalho é a causa singular, ancorada no desejo de analista. Para Miller, cabe a cada um o trabalho de subjetivar a Escola, adotá-la como um significante ideal e ao mesmo tempo fazer dela um sujeito barrado, “determinada pelos significantes dos quais é efeito” (MILLER, 2016, p.10). Uma Escola é então efeito dos significantes que ela produz a partir de seus membros, o que nos responsabiliza pelo movimento que ela produz. O trabalho na Escola só se transforma num trabalho de Escola na medida em que se descola da demanda do Outro e se sustenta na causa de desejo. Os efeitos de tal movimento serão formadores pois funcionam como um reviramento da demanda em desejo.
Retomo aqui a proposição de onde partimos: “não instituímos o novo senão no funcionamento”. Como sujeito barrado, a Escola se abre a ser interpelada e interpretada.
O novo surge daí, como efeito dessa interpretação, porém como instituição é inegável que também sofra a influência de um movimento no sentido contrário, pois aquele que institui o novo, engolindo-o em seu maquinário burocrático, tenderá a apagar a novidade a fim de se proteger do real veiculado por ela.
Por fim, penso ser importante colocar em tensão os significantes que compõem essa frase: o novo, o instituído e o funcionamento. Como fazer funcionar, em nosso trabalho de Escola, a instituição do novo, numa unidade dinâmica, sempre aberta a interpretação e a reinvenção, sem nos abrigarmos na burocracia dos lugares instituídos? Talvez, tomar a Escola mais como sujeito barrado e menos como objeto Instituição, possa ser uma forma de manter soprando o espírito da psicanálise na Escola. |
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