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De uma sede de viver: a psicanálise fora de uma regulamentação pelo Estado
Samyra Assad
Representante da Escola Brasileira de Psicanálise no Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras

É dado o momento de apagarmos outro incêndio em relação às tentativas de regulamentação da psicanálise no Brasil. Os colegas devem ter acompanhado essa frente de batalha da EBP, representada no Movimento da Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras, junto a outras dezessete instituições psicanalíticas, reunindo sociedades diferentes entre si, verdadeira diversidade. Assim, esse Movimento criado no ano de 2000 se configura como algo inédito, originado a partir de um manifesto assinado por várias instituições, a fim de barrar, nesta primeira ocasião, um projeto de lei trazido por um deputado e pastor, Éber Silva, o qual visava regulamentar a psicanálise. Outros projetos se sucederam a este, devidamente arquivados até então. Dezoito anos se passaram e essa ocasião, por final, era apenas o começo de uma luta que percebia ser cinzento, opaco, um horizonte por vir.

Algo que não cessa de se escrever na política e na sociedade brasileiras, configurando-se como um verdadeiro “sintoma contemporâneo”, se posso dizer assim: trata-se da antiga e insistente tentativa de regulamentação da psicanálise no Brasil, e, hoje, estamos diante de dois projetos contra os quais temos de lutar. Não é um, são dois! A dose é dupla. O esforço deverá ser redobrado, portanto. São eles:


- Projeto 174/2017: elaborado pelo senador Telmário Mota no ano passado, visa regulamentar a psicanálise sob a égide das terapias naturistas. Vale a pena acompanhar essa matéria no link https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129523, onde veremos a mudança do relator desse projeto para o senador Randolfe Rodrigues. No intervalo entre a mudança de um relator para outro, conseguimos, pela rede social, 13.910 votos a favor do projeto e 21.884 votos contra, e ainda contamos com o apoio dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, documentado em cartas enviadas e recebidas. Este projeto se encontra na Comissão de Assuntos Sociais, aguardando providências. Logo, ainda será votado;

- Projeto de Lei 101/2018, elaborado novamente pelo senador Telmário Mota. Este projeto também se encontra na Comissão de Assuntos Sociais (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/132513) e, até o momento, na rede social, há 213 votos a favor e 2450 contra. Dessa vez, o senador tentou trazer algumas “consistências” para este projeto específico que pretende regulamentar a psicanálise, valendo-se dos argumentos que utilizamos contra ele, como se defender a psicanálise fosse um “tiro no pé”. Percebe-se nesses projetos, uma vez mais, o modo deturpador de uma formação ao se legislar sobre a prática analítica. Desde o ano 2000, há um verdadeiro tour nessa dor, evidentemente, repudiando-a, ao não aceitarmos aí uma submissão.

Realmente, permanece sendo um enigma a razão dessa insistência para se regulamentar a psicanálise. A tendência homogeneizante na contemporaneidade, o uso de ideais religiosos que se valem do nome “psicanálise”, o exercício de um domínio, até mesmo a não regulamentação da psicanálise pelo Estado ainda, a meu ver, já não bastam para sustentar a razão de tal inapropriação que machuca ferozmente os legados de Freud e Lacan, em se tratando da formação dos analistas.

Somente é possível atestar que a luta continua, e, pelo visto, será sem fim. A aposta que temos sustentado é a de que, além das batalhas junto ao Congresso Nacional, a formação de opiniões é mais do que fundamental.

O Movimento da Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras terá sua próxima reunião em 22/9/2018, no Windsor Excelsior Hotel (Copacabana), na cidade do Rio de Janeiro, que sedia as reuniões semestrais. Uma das pautas dessa reunião contemplará a elaboração de novos planos de ação contra os dois projetos acima citados, precedidos que são pelas postagens torrenciais por e-mails que já acontecem, previamente, entre os representantes das instituições. O aspecto do vivo aí é impressionante, em detrimento do assassinato da psicanálise implícito em cada formulação de projeto de lei para regulamentá-la.

Outra pauta importante, além desta, de fazer reverberar o incentivo de votos contra esses projetos na rede social, se refere à confecção do segundo livro desse Movimento a ser publicado, do qual faço parte da organização e da comissão editorial.

Em breve vamos lançá-lo, e assim, teremos a oportunidade de ler sobre a história desse Movimento, as múltiplas cartas enviadas para o Senado e outros órgãos, com as suas respectivas respostas, até mesmo sobre a questão do Ato Médico, trazidas ao longo desses tempos. Haverá também outros textos dos colegas das instituições que compõem a Articulação.

Ou seja, não recuaremos. Até o fim, não recuaremos. Talvez seja isso o que a EBP transmite nessa representação. Enfim, é isso o que digo e o que faço aí.

Belo Horizonte, (a propósito), 07/09/2018.

   
   
 

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