CorreioExpress
home

Biblioteca EBP – Seção Bahia
Apresentação do ateliê de leitura – 2018

Coordenação: Analícea Calmon e Fátima Sarmento

Uma das plataformas de trabalho da Biblioteca da EBP – Seção Bahia é o ateliê de leitura, implementado no biênio anterior a esta diretoria e que, na modalidade de uma atividade que segue o ritmo do um por um, vem tendo uma interessante e produtiva continuidade.

 No mês de maio do corrente ano foi lido o texto de Freud "O Estranho" (1919), que ora inspira os seguintes comentários:

Há um século, referindo-se ao tema da estética na perspectiva de uma teoria das qualidades do sentir, Freud escreveu esse texto, a que deu o título de DAS UNHEIMLICHE, que para nós se traduziu como O ESTRANHO. Ao "estranho", Freud contrapôs "o familiar".

Em 1960, falando sobre a ética da psicanálise, Lacan contrapôs à "intimidade" uma exterioridade íntima, traduzindo-a pelo termo "extimidade". Na verdade, nessas duas circunstâncias, trata-se mais de conjunções, de espécies de anulação da negação, do que propriamente de contraposições, ainda que comportem aparentes paradoxos.

Tendo sido o campo da estética a primeira fonte de inspiração para o tema, encontramos também aí um certo contraponto, dado que a estética se preocupa mais com o que é belo, atraente e sublime, enquanto que o "estranho", no campo da psicanálise, está fortemente ligado ao que aterroriza, angustia e aflige. Tudo isso se deve à importância dada por Freud à análise linguística, na qual insere algumas obras de ficção literária, dentre as quais ressaltamos o conto fantástico de E. T. A. Hoffmann, "O homem da areia". É um conto no qual o elemento sobrenatural remete à interioridade do indivíduo na medida em que aponta para a irrupção do que habita o inconsciente, até então distanciado da atenção racional. Trata-se de um homem perverso que joga punhados de areia nos olhos das crianças quando estas não querem dormir, o que faz com que os olhos lhes saltem sangrando das cabeças, sejam colocados num saco e levados para a meia-lua.

Como se vê, é uma formulação paradoxal, na medida em que remete a um medo infantil, muitas vezes conservado nos adultos, presentificando a castração. Foi a partir dessa lógica que Lacan designou o (- phi) pelo significante "familiar", que equivale ao "íntimo".

Temos notícia de que a palavra "intimidade" figura na nossa língua desde o século XVII e dela a prática da psicanálise se nutre para direcionar cada analisante ao que há de mais íntimo em sua vida privada. A palavra "familiar" aparece em nosso dicionário como sinônimo de "íntimo". Ao "íntimo" Lacan conjuga o "êxtimo", cujos germens já se faziam presentes no texto freudiano "O estranho", que fora precedido, em 1910, pelo "Significado antitético das palavras primitivas". Esta antítese se presentificou na prática clínica de Freud quando, alcançando períodos primitivos na vida mental de sujeitos neuróticos, ele conseguiu compreender a importância e o peso de um estranhamento em tempo presente, por estar associado a esse período primitivo.

Há um século de distância desse texto, nos encontramos sob os efeitos do progresso tecnológico, que nos brinda com a possibilidade da leitura e da escrita virtual. A estas se contrapõem os documentos impressos, que entraram na história da humanidade, marcando a transição da Idade Antiga para a Idade Media.

O significante "biblioteca" acompanha essa transição, bem como o significante "leitura". Hoje, num ateliê de leitura, a oportunidade de resgatar os manuscritos freudianos tem nos colocado frente a frente com o mais familiar dos nossos estranhos aliados.

   
   
 

Instagram Instagram