Atualmente, na clínica, são frequentes os relatos de uma sexualidade “fluida”: sujeitos e corpos que transitam entre masculino e feminino, ou que prescindem dessas categorias, assim como variam quanto à escolha de objeto sexual. Também é recorrente que pequenos desencontros ou frustrações sejam experimentados de forma desproporcionalmente mortífera, colocando o suicídio e as passagens ao ato na ordem do dia. Em “A significação do falo”, Lacan (1958/1998) apresenta o falo como capaz de localizar o sujeito quanto a diferença sexual e em relação à existência (fornecendo um sentido ligado à vida). Assim, consideramos que uma pesquisa sobre o falo, hoje, poderia fornecer uma chave de leitura dos fenômenos observados.
Para tanto, é fundamental acompanharmos as diferentes elaborações lacanianas sobre o tema. No texto citado, o falo estava situado no simbólico: era um significante, produto da metáfora paterna. Mais adiante, Lacan (1971/2009) incluiu o real do gozo na discussão e o falo foi definido como um semblante2 capaz de “coordenar” o gozo sexual. Assim, se por um lado a relação sexual não existe, por outro, o falo poderia articular, em um discurso, elementos de diferentes matérias: gozo e semblante (LACAN, 1971/2009, p.31). Essa função de conector parece se radicalizar no Seminário 23, quando o falo se apresenta como o que liga a fala e o corpo: ele “é a conjunção do que chamei de esse parasita, ou seja, o pedacinho de pau em questão, com a função da fala” (LACAN, 1975-1976/2007, p.16). Se antes o falo estava do lado do significante e dos semblantes, nesse momento Lacan (1975-1976/2007) destaca sua dimensão real: “O único real que verifica o que quer que seja é o falo… que haja apenas ele para verificar esse real” (LACAN, 1975-1976/2007, p.114). Essa última versão nos remete às nossas questões clínicas. Perguntamo-nos se o declínio do Nome-do-Pai na cultura poderia dificultar a operação do falo em sua função de coordenar as questões do sexo e da existência aos semblantes, provocando a observada “fluidez” sexual, assim como a recorrência de um gozo mortífero. Se Joyce, para Lacan (1975-1976/2007), “supriu sua firmeza fálica” (p.16) a partir de sua arte (portanto, sem contar com a ação metafórica do Nome-do-Pai), talvez o exemplo desse escritor e a noção de “falo real” nos ajude a pensar em balizadores para as peculiaridades e impasses do nosso tempo.
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