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Diretoria EBP
Discurso de posse de Luiz Fernando Carrijo da Cunha

Cara Sra. Presidenta da EBP, Marcela Antelo, Cara Sra. Vice-Presidenta da Associação Mundial de Psicanálise, Angelina Harari, caros colegas.

Apresento na partida os colegas que compartilharão comigo esta empreitada. São eles: Rodrigo Lyra, diretor secretário (RJ); Henri Kauffmanner, diretor de biblioteca (MG); Alessandra Pecego, diretora tesoureira (SP). Os quatro compomos a diretoria executiva. Apresento também os diretores das Seções que comporão, juntamente com a diretoria executiva, a diretoria geral da EBP: Fernanda Otoni (MG); Carmen Cervellatti (SP); Pablo Sauce (BA); Angela Bernardes (RJ); Eneida Medeiros (SC) e Bibiana Pogi (PE).

Apresento ainda Sérgio Laia, editor da revista Correio impressa e Maria do Carmo D. Batista, editora da versão eletrônica da Correio. Aproveito para agradecer a eles e as suas respectivas equipes pela pronta resposta positiva ao convite para esses trabalhos.

Eu me dirijo a vocês, nesse momento, para dar consequência à escolha que foi feita pelo Conselho da EBP, que à época era presidido por Sérgio de Campos, por meu nome, para ocupar a função de diretor geral da Escola Brasileira de Psicanálise no biênio 2017-2019. Aproveito, portanto, para agradecer à composição daquele Conselho pela confiança que foi depositada.

Estar à altura de uma função como esta requer, ao meu ver, de saída, reconhecer o próprio desejo ali, e a resposta que posso lhes dar, desde então, é que sim: encontrei com essa indicação não apenas a lisonja, mas sobretudo um certo grau de desconforto na medida da responsabilidade aí requerida, contudo, sobrepujada pela alegria de poder inscrever, uma vez mais e de um outro ângulo, um trabalho com nossa Escola e com a comunidade  da AMP. Logo, detectei nesse desconforto mesclado com a alegria, um índice para reconhecer o desejo. Não ceder nele tem sido minha tarefa. Com efeito, só podemos dizer sim ao convite para desempenhar uma função quando estamos, pelo menos, um pouco esclarecidos de nossa posição perante o lugar requerido. Fui perguntado, sobretudo nos últimos dias, por colegas que me são mais próximos, se estava “preparado” para o que viria. Longe da resposta protocolar, lhes respondi que não, não estava preparado. Justifico minha resposta: Não há como estarmos preparados quando incluímos em nossa estrada a contingência, e dirigir uma Escola de Psicanálise implica, necessariamente, incluir a contingência, o inesperado, que são portas que se abrem para que algo do real advenha. Outrossim, saber fazer com esses momentos de incursão contingencial é, ao meu ver, o grande desafio que tenho pela frente.

O trabalho burocrático que implica também o desempenho desta função depende menos de um preparo do que nos habituarmos a um autômaton.

Portanto, a perspectiva que tomo aqui para levar adiante a direção da Escola, é a de não me precipitar em projetos ambiciosos ou mesmo de me engajar numa ideologia, seja ela qual for. A EBP já tem um caminho percorrido até aqui desde sua fundação em 1995, há exatos 22 anos, e a série de seus diretores e presidentes já deram provas da capacidade de manter a Escola de pé, não sem, claro, ter atravessado momentos de crise com tendências à dispersão.

No entanto, salvo as dissidências que já compõem o panorama histórico da AMP, a Escola continua em sua existência, cumprindo um destino ensejado e desejado por J-A.Miller quando de sua fundação onde, em seu discurso, frisava que “uma Escola estava sendo feita para durar”. Justamente ali, havia uma aposta colocada para os membros que a compunham, a de que a Escola sobreviveria a um real que certamente a pegaria em qualquer momento. E assim tem sido.

Reconhecer-me no desejo de cumprir a tarefa que ora me proponho, não é mais que relançar essa mesma aposta somando-me à série dos que me antecederam, buscando em cada um deles algo que pode ser ensinado a partir de suas experiências.

Como a maioria de vocês aqui presentes sabem, respiro o ar da EBP desde os tempos em que ela era gestada. Acompanhei o movimento da dissolução dos grupos brasileiros que antecederam sua criação. Estava presente quando, no Hotel Glória, foi lavrado o livro com o registro de sua fundação e desejei, como numa aspiração juvenil, estar entre aqueles que assinavam o livro já na categoria de membros. Isso, de fato, só iria acontecer nove anos mais tarde. Entretanto, participei intensamente dessa história e dela fiz um lugar para viver. Reconheço, portanto, um desejo atrelado a esse “bonde” e isso me dá a “serenidade” que suponho essencial para cumprir minha tarefa ou, como bem me disse nossa vice-presidenta da AMP nesta manhã, só me tornarei “diretor” daqui a dois anos quando estiver passando o cargo adiante.

Então, nada de precipitação ou de anúncio de projetos que possam impressioná-los; talvez, apresentá-los aqui, seria introduzir a falsa promessa do “preparo”: falácia. Não que alguns projetos não existam; sim, eles existem e estamos na direção estratégica de torná-los realidade, mas serão executados ao longo desse tempo que nos aguarda priorizando a atenção que daremos a cada um dos membros.

Podemos dizer que este é nosso projeto mais ambicioso: fazer valer o que na base da Escola faz sua existência como Escola de Lacan, ou seja “um coletivo de uns em sua radical diferença em cujo centro está o conjunto vazio que a descompleta”. Nesta concepção, está o múltiplo em tensão com o Um. O termo “tensão” é aqui precioso, já que comporta um impossível que descarta o “ponto ideal” a partir do qual adormeceríamos. Logo, a tarefa de “manter viva” a Escola, que não é privilégio de seu diretor, mas de cada membro que compõe sua paisagem, torna-se nosso motor a partir de agora.

Conceber a “tensão entre o múltiplo e o uno” será nosso bordão com o qual instauramos, aqui, esse debate permanente, cuja aposta é cruzar o umbral desse momento onde a Escola “realiza” seu “uno”: o congresso de seus membros. O Um da Escola estará presente no nosso cotidiano onde as realizações desta diretoria a tomará como base. Portanto, não apenas refúgio, mas também “base de operações” – como nos lembrou Sérgio Laia ontem – comportando um coletivo que compartilha do mesmo ponto vazio.

“Dupla postulação”, reiterou aqui Angelina Harari, ao se referir à reflexão proposta por J.A-Miller sobre a garantia na Escola. Encontramos aí também a tensão entre o interior e o exterior metaforizado pelo morcego da fábula de La Fontaine. Asas analíticas e patas sociais – uma maneira poética de dizer do real em jogo na sustentação da Escola em cuja base está o discurso analítico com suas consequências para a formação do analista, ao mesmo tempo em que este tem que responder ao social. Uma “tensão” que também trataremos de manter em debate no seio desse “conjunto de uns”. Claro que para sustentarmos esse “projeto”, partimos de um diagnóstico feito através de nossa própria experiência na Escola.

Estamos habituados a vir ao congresso celebrar esse momento de realização do Um da Escola em que cada um se deixa afetar e se deixa ensinar, mas, passados esses dias, quando voltamos aos nossos redutos, a Escola ainda continua em sua existência efetiva? É uma pergunta que lhes deixo, esperando que ela ecoe pelo menos até amanhã... Com isto, estou chamando cada um dos membros de nossa EBP para, de fato, se colocar na paisagem a partir dos desejos que lhes fizeram chegar até aqui e, sabemos, o quanto são indestrutíveis. Lembro-lhes, contudo, que a Escola não é sua diretoria, tampouco seu conselho e, menos ainda, um conglomerado associativo empresarial. Ela também não é o conjunto de suas seções. Ela, a Escola, não desconsidera tampouco que tem sua inscrição no Outro social, assim como ter sido constituída a partir do múltiplo.

Mas ela só pode continuar sua pulsação de vida, que sentimos quando nos encontramos em momentos como esse, se for tomada como constituinte e entranhada em nossas vidas. Sabemos o quanto isso vale para cada um. Vimos no documentário de Marcelo. Se o Um da EBP é a música, esta é composta pelo pulsar de cada um que põe sua nota. Não é samba nem música atonal, ela é uma melodia cuja composição se faz na nossa experiência e será ouvida pelas gerações futuras. Essa composição agita nossos corpos por seu ato mesmo. O baile acaba, mas restam suas ressonâncias.

Agradeço agora a cada um de vocês por me darem a oportunidade de reger esta orquestra por dois anos, esse bonde do desejo chamado “Escola Brasileira de Psicanálise”.

Inhotim, 30 de abril de 2017.

 

 



 
   
   
   
 
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