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A leitura na Seção PE
Rosane da Fonte, Ângela Pinto, Tereza Christina Brasileiro e Nelson Matheus Silva

No início está a linguagem, e com ela o mal-entendido inaugural que marca o surgimento do falasser e não cessa de se escrever. Diz Lacan: “Eu sou um traumatizado do mal-entendido. Como não o aceito, eu me canso em tentar dissolvê-lo. E de repente, eu o alimento. É isso que se chama de Seminário perpétuo” 1. Não só Lacan, mas todos nós somos atravessados pelo mal-entendido.

Nossa orientação é explorar o mal-entendido, e isso nos conduz a acompanhar Lacan quando define a interpretação como o dever de ler ali onde podemos responder a uma palavra.2 É essa conjunção entre a palavra e o que se pode ler sobre ela que explica este vocábulo de Lacan: meio dizer.

Um meio dizer, como a Quimera, que, com sua combinação de pedaços heterogêneos, corre o risco de desaparecer se tentarmos chegar a uma compreensão, uma solução, um entendimento.

Lacan chega mesmo a dizer que seu Seminário se sustenta do mal-entendido. É no furo causado pelo mal-entendido que brota algo vivo, que pode ser transmitido e escutado, ao romper com o conformismo e a homogeneidade do discurso.

A interpretação como dever de ler é um meio dizer que localiza um caminhante singular, pois quem escreve é o leitor e quem emite a mensagem é o próprio receptor. Nessa interlocução se produz algo fecundo, uma palavra enunciativa.

O mal-entendido entre os seres falantes não é acidente, é intrínseco a toda comunicação. Nossa tarefa enquanto leitor é seguir a trilha desses furos para produzir ressonâncias, sustentar o discurso analítico e avançar com o próprio projeto.

A biblioteca da Seção PE privilegiou, no ano de 2017, o espaço de leitura. Organizou Ateliês de leitura sobre Os escritos de Lacan, onde foi trabalhado o texto A significação do falo, o Seminário sobre as psicoses e o estudo da obra de Freud, que já se encontrava em funcionamento.

A diretoria da biblioteca convidou os coordenadores dos ateliês, um por um, para falar um pouco dessa experiência.
Para Gisella Sette, o exercício de leitura comentada do texto A Significação do Falo foi muito bem sucedida, na medida em que causou em seus participantes o desejo de continuar com novas leituras.

Tratando-se de um trabalho coletivo, todos se beneficiaram das leituras particulares e dos comentários de cada um dos colegas que participavam da atividade, enriquecendo e ampliando o conteúdo epistêmico e facilitando a compreensão geral do texto lacaniano.

Segundo Rosa Reis, que coordena com Elizabete Siqueira o Seminário das psicoses, a proposta inicial foi uma leitura dirigida em que os coordenadores se encarregariam de levar aos participantes sua leitura singular das aulas. Supunha-se, por outro lado, a leitura de cada um para a discussão. Aos poucos, na experiência, todos acharam mais produtivo a leitura comentada. Como disse Lacan, ler Freud “ao pé da letra”! Extraiu-se da aula VI do Seminário 3, como um guia, o seguinte ensinamento de Lacan:

[...] o fato de vocês serem psicanalistas não os exime de serem inteligentes e sensíveis. Não basta que um certo número de Chaves lhes tenha sido dadas para que vocês se aproveitem disso para não mais pensar em nada e se esforcem, o que é a inclinação geral dos seres humanos, por deixar tudo no lugar.

De acordo com Elizabete Siqueira, a experiência tem sido rica em discussões, questionamentos e intercâmbios de ideias, entre os diversos leitores em seus múltiplos percursos de leitura. Isto tem proporcionado momentos de vivo entusiasmo e desejo de prosseguimento e aprofundamento no tema, em que Lacan, com suas proposições inovadoras, ainda serve como resposta às propostas comportamentalistas, vindas do cientificismo e do higienismo, com fins puramente mercadológicos. Nesse sentido, Lacan e seu ensino sobre as psicoses são um marco de avanço, tanto do ponto de vista epistêmico, político, mas, sobretudo, clínico.

Silvia Farias, que coordena com Anamaria Vasconcelos o Ateliê sobre Freud, considera que a psicanálise surge graças à escuta freudiana num para além da biologia, campo fértil, onde o inconsciente se (re)vela. O próprio Lacan diz: “quem quiser que se diga lacaniano. Eu sou freudiano”. Esse retorno a Freud é indispensável à formação do analista.

A experiência no ateliê de Leituras Fundamentais em Freud foi bastante proveitosa, pela participação ativa de seus integrantes, com discussões profícuas e articulações clínicas.

A diretoria de biblioteca tem sido solicitada para a abertura de novos ateliês. Supomos que esse dispositivo se mostrou importante para aqueles que se aproximam da Seção PE.

Comissão da Biblioteca
Rosane da Fonte – Diretora
Ângela Pinto
Tereza Christina Brasileiro
Nelson Matheus Silva

 

 
 
1 LACAN, Jacques. “O MAL-ENTENDIDO”. Opção Lacaniana n°72. São Paulo: Edições Eolia, 2016.

2 LACAN, Jacques. (1956-57) “Posfácio”. O Seminário, Livro 4: A Relação de Objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

 
   
   
 
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