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Um público numeroso e variado, composto por muitos colegas da EBP-Rio, alunos do ICP-RJ e pessoas interessadas pelo tema ou que já acompanhavam o trabalho do autor, prenunciava o interessante debate que iria ocorrer sobre o livro de Manoel Barros da Motta, O crime à luz da psicanálise lacaniana 1, na Noite da Biblioteca da EBP-Rio de 23 de junho de 2017 2.
Abrindo a mesa, Elisa Monteiro anunciou o convite de Gleuza Salomon para que esse debate fosse transmitido pela Radio Lacan 3. Lembrando que este livro foi antecedido por outro, Crítica da razão punitiva 4, em que Manoel trata do nascimento da prisão no Brasil, ela sublinhou a atualidade, seja no Brasil ou no mundo, dos temas tratados por ele em sua pesquisa: a punição e o crime.
Enfatizando o interesse que ele lhe despertou, fez um breve comentário sobre o livro, enfatizando que Manoel visa elucidar a questão da causalidade do crime e da responsabilidade do sujeito criminoso. Partindo de duas perguntas: O que leva um sujeito a cometer um crime? e O que significa a passagem ao ato criminoso de um sujeito psicótico?, ele examina crimes que a investigação lacaniana das psicoses ajuda a esclarecer, tanto do ponto de vista teórico, quanto da prática lacaniana.
Salientou que ele utiliza a nova tipologia dos crimes proposta por J.-A. Miller a partir dos três registros de Lacan, comentando dois crimes do real ou do gozo – os crimes de Landru e de Pierre Rivière –, situados por Miller no que ele chama de teatro da pulsão, ou seja, crimes extremamente cruéis que tocam o que cada sujeito tem de inumano. Marcado pelo mistério, o assassinato de onze mulheres cometido por Landru abalou a Belle époque, ocupando as páginas dos jornais franceses por um bom tempo. Ao julgamento de Landru, que jamais confessou estes crimes, compareceu uma multidão. Fez menção ao personagem central que Chaplin calcou em Landru em Monsieur Verdoux. Quanto à passagem ao ato de Pierre Rivière, o assassinato de sua mãe e irmãos, lembrou que o autor retoma o magistral comentário de Lacan sobre este crime.
Manoel comenta ainda dois crimes do simbólico: o célebre caso Aimée, da tese de doutorado de Lacan em psiquiatria, privilegiando a articulação entre letra e gozo – Elisa sugeriu a leitura dos comentários de vários colegas da AMP sobre esse caso – e a passagem ao ato de Ulrich, sujeito paranoico, que tentou assassinar seu chefe e escreveu a esse respeito um romance. Mais tarde, quando foi atendido por Manoel, ele produziu outros textos, na tentativa de conter esse gozo invasivo.
Como crime do Imaginário, ele examina o que Lacan nomeia de massacre das irmãs Papin, duas criadas que, numa passagem ao ato súbita e violenta, assassinaram em 1933, sua patroa e a filha dela.
Manoel Motta agradeceu pela gentileza da presença de seus colegas da Escola, especialmente Angélica Bastos e Stella Jimenez, que aceitaram discutir seu trabalho, e estendeu seus agradecimentos a Angela Bernardes, Diretora da Seção Rio, e a Elisa Monteiro, Diretora da Biblioteca, pelo espaço dado a esse debate. Lembrando que sua tese foi defendida em 2015 e que parte deste trabalho já foi discutida por vários colegas, demonstrou sua satisfação em retomar este debate agora que o livro está publicado. Acentuou que quando os livros chegaram, teve um momento de estranheza ao ler o título: O crime à luz da psicanálise lacaniana, pois pensava que seu título era: “O crime à luz da orientação lacaniana”. Consultando a tese, verificou seu engano.
Atribuiu sua impressão ao fato de o título não expressar de modo claro o quadro teórico em que fundamentou seu trabalho: a orientação lacaniana. Enfatizou, então, a posteriori, que talvez isso devesse ser retificado, uma vez que seu livro é uma tentativa de contribuir um pouco para o que Serge Cottet chamou de criminologia lacaniana, proposta por J.-A. Miller.
Ao mesmo tempo, ponderou que grande parte desse trabalho é certamente ancorado em Lacan, pois ele examina mais longamente no livro os casos de Aimée e das irmãs Papin. Lembrou que retomou trabalhos que ampliam a leitura de Lacan: a de Dominique Laurent, Jean-Claude Maleval, Catherine Lazarus-Matet, Silvia Tendlarz, M.-L.Susini, Chouraqui Sepel, além de M.-H. Brousse, P.-G. Gueguén e Clotilde Leguil. Sublinhando que a orientação de J.-A. Miller está por trás de tudo o que disse neste livro, afirmou que chegou a pensar que os três registros poderiam ter sido incluídos no título do livro. Mencionando o comentário de Elisa sobre os crimes do real, do simbólico e do imaginário, acrescentou que Chaplin, em Monsieur Verdoux, consegue captar em seu personagem alguns aspectos clínicos de Landru, demonstrando assim como um artista pode se antecipar ao psicanalista. Para ele, um fator importante que leva Landru à passagem ao ato é essa onda dominada pela pulsão de morte, ou seja, a guerra, que parece ter criado “uma licença para matar”.
Retomou um comentário de J.-A. Miller sobre uma formulação de Freud a respeito da constituição do Édipo, destacando que a instalação da lei implica renúncias. No entanto, o que prevalece atualmente não é a formulação normalizadora do Édipo, mas seu caráter patógeno: mais o pai tóxico do que aquele que tempera e limita o gozo. Lembrando que Miller, ao comentar o texto freudiano “Algumas notas adicionais sobre a interpretação de sonhos como um todo” 5 (1925), acentua a parte noturna que habita todo sujeito humano, e que Freud afirma que nos sonhos domina a transgressão, o ataque à lei e ao Direito, Manoel conclui: os sonhos, conforme a fórmula americana, a dream comes true, não auguram algo bom em termos psicanalíticos, mas sim crueldade e perversão.
Citando Lacan em “Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia” – “nem o crime nem o criminoso são objetos que se possam conceber fora de sua referência sociológica”6 – enfatizou a anterioridade da lei com relação ao crime, acrescentando que, posteriormente, Lacan transforma a dominação do social na presença da rede simbólica. Segundo Miller, a tese de Lacan anuncia uma espécie de análise de estrutura na atenção minuciosa que dá ao texto do sintoma, no qual ele soletra as letras com o cuidado de não saltar nenhuma. Em segundo lugar, ressaltou a matriz de elaboração do delírio, e, por fim, o mecanismo determinante da passagem ao ato. Manoel tentou em seu livro avançar em relação a isso, comentando o caso José, de Celso Rennó, considerado por Pierre Naveau como uma matriz para explicar a passagem ao ato.
Enfatizando que nesta intervenção tentou destacar o que ficou fora do seu trabalho de tese e mesmo do livro, mencionou que, com o caso Aimée, buscou acentuar a importância do quadro conceitual e clínico que orientou seu trabalho e que, em sua opinião, o aspecto mais importante da análise de J.-A. Miller sobre Landru, é que ela aparece como uma promessa do que poderia vir a ser uma teoria dos serial killers.
Angélica Bastos, que orientou a tese de Manoel, saudou a oportuna publicação do livro e acrescentou que se trata do trabalho de um pesquisador, de um psicanalista, um trabalho autoral, que possui um lastro de experiência de leitura e de investigação.
Lastro este que podemos sentir nas referências clássicas que ele evoca com erudição e também em sua sintonia com o que nos aflige nesse início de século. Assim, ele faz jus à exigência de que para que um psicanalista seja digno desse nome, ele deve alcançar no seu horizonte a subjetividade da sua época.
Como Manoel registrou, Lacan ressalta que “Toda sociedade manifesta a relação do crime com a lei através do castigo, cuja realização, sejam quais forem suas modalidades, exijam assentimento subjetivo” 7. Ela lembrou que, em “Crítica da razão punitiva” 8, Manoel analisa um crime do simbólico, o dos Távora. Sublinhou a atualidade da temática do livro neste momento em que se chega a reivindicar mais medidas punitivas e mesmo a pena de morte diante dos problemas de segurança pública que enfrentamos ou, em outra direção, como Carmem Lúcia do STF acaba de defender, a necessidade de reformulação do sistema prisional. Há também uma atualização da problemática do crime, uma vez que o autor nos brinda com um texto instigante no qual desenvolve uma investigação inédita sobre o crime, declinando-o nos registros real, simbólico e imaginário.
O crime não é tratado como consequência de uma personalidade criminosa, mas como uma passagem ao ato em seu caráter de ruptura. A seu ver, o à luz da psicanálise lacaniana diz respeito à abordagem escolhida por Manoel, que segue os registros da experiência. Ele retoma o que Lacan diz em “Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia” 9: “(...) se a psicanálise irrealiza o crime ela não desumaniza o criminoso” 10. O crime é tomado no livro como inerente ao humano pela própria tensão entre lei e gozo.
Seja no mito, nos casos da literatura psicanalítica aos quais se dedicou, seja na experiência clínica com seu analisante, ou na extensão da psicanálise, ele privilegia o crime como passagem ao ato, mas também a escrita, que o antecede ou que o segue, respectivamente em Aimée e em Ulrich. Embora explore bastante a psicose paranoica, não se restringe a ela. Comentando cada caso, ele vai contra a objetivação psicológica do crime e do criminoso. Para Angélica, crucial e diferencial é a inclusão de um caso sobre transferência, o caso Ulrich, autor de uma passagem ao ato e que escreve um romance. Manoel comenta ainda dois casos de serial killer: o clássico Pierre Rivière, abordado por Foucault, e o caso Landru, o que lhe permite dizer que este livro interessa não só ao psicanalista, aos psis, mas também aos agentes envolvidos no aparelho jurídico. Suas perguntas foram: Você enfatiza que há algo de insondável na decisão do criminoso e que a decisão judicial também envolve uma opacidade, porque ela não é uma aplicação direta do Código Penal. Termina dizendo que a decisão judicial pode ser uma criação ou uma invenção.
Como não basta a opacidade para que ela chegue ao estatuto de invenção, pergunto: como poderíamos reconhecer um caso de invenção?” No contexto político em que vivemos, a que corresponderia desrealizar o crime sem desumanizar o criminoso?
Stella Jimenez considerando que este livro é de fato instigante, pois o lemos como um romance policial, citou o exemplo de Um estranho entre nós, de Ruth Rendell, que começa com um crime: por que fulana, uma analfabeta, matou toda a família de seus patrões? Saber o final não apaga a dimensão de enigma que leva o leitor a percorrer este livro para saber o que levou essa moça a praticar o crime. Stella acentuou que, em O crime, à diferença de um romance policial, não se trata de entender o que aconteceu com o criminoso, o que pressuporia uma identificação com ele e que poderia levar a pensar em circunstâncias atenuantes, em uma espécie de psicologização do criminoso. Contrariamente, neste livro rigorosamente psicanalítico esta identificação está excluída, na medida em que Manoel se centra na lógica do ato criminoso em cada caso.
Trabalhando inicialmente a passagem ao ato em geral como uma ruptura com o Outro e a identidade súbita com o objeto a, com o objeto dejeto, ele passa a discutir o que não sabe bem como chamar: atos criminosos ou atos imotivados, para afirmar que, em certos casos, é a necessidade do psicótico de extrair o objeto a o que produz o ato criminoso. Seu exemplo é o caso José que, na tentativa de escrever a diferença, passa ao ato dando um soco no olho do analista, e diz: agora um olho ficou diferente do outro. Já em outros casos, a passagem ao ato visa à extração do objeto que, na psicose, está inserido no Outro, diferentemente do neurótico para quem o objeto a está excluído, o que cria um marco para a realidade. Ele menciona o caso Ependorfen, um sujeito psicótico que passa ao ato quando uma mulher mais velha com quem tinha uma relação de amizade, se insinua eroticamente. Mutila então, de forma violenta, a língua dessa mulher para extrair o objeto. Já no caso de Pierre Rivière, trata-se de uma lógica diferente, porque a passagem ao ato está inscrita dentro de um delírio e é planejada.
Acentuando que, em cada caso, a passagem ao ato criminoso tem sua lógica, Stella pergunta: qual a lógica que explica por que Landru matou essas mulheres? Comenta que Manoel traz a diferenciação entre crimes utilitários e crimes de gozo, que Landru se justifica dizendo que tem que alimentar sua família, o que Stella considera totalmente falso, porque o que ele ganhou foi muito pouco e não justificaria por si só os assassinatos. Como Landru nunca confessou os crimes, restou uma opacidade, pois não se conseguiu explicar como ele matou essas mulheres, embora se suponha que ele as estrangulou. O que sabemos é que, após matá-las, ele cortava seus corpos em pedaços e os queimava em seu fogão. O interessante no caso Landru é que ele parece ter uma personalidade de fachada, quase como se: ao mesmo tempo em que fazia o papel do hipermoralista em sua família, ele tinha essa compulsão de assassinar mulheres. Consegue-se determinar que, de fato, ele assassinara onze mulheres pelo que escreveu em sua caderneta: anotava os horários do trem de ida e volta, o gasto em cada assassinato, a data e hora de cada crime, dados que permitiram que ele fosse condenado. Ela perguntou então: você tem uma teoria sobre por que esses assassinos que praticam crimes em série produzem tanta fascinação?
A outra pergunta foi sobre a responsabilização do psicótico que, segundo Lacan, possibilitaria que o sujeito pudesse chegar a certa estabilização. Preconiza-se que é melhor responsabilizá-lo do que desresponsabilizá-lo, porém, nos casos que Manoel trabalha, diz ela, temos a impressão de que não é bem assim. Por exemplo: Pierre Rivière foi responsabilizado e ia ser guilhotinado. A pena foi transformada em prisão perpétua, mas ele acaba se suicidando, porque continuava delirando e se sentia morto. Para Stella, não se trata apenas da responsabilização, o que fica mais claro no caso Ependorfen: ele foi responsabilizado, mas a estabilização de sua psicose parece se relacionar às conversas com um padre na prisão. Sua última pergunta foi: Você diz que seria preciso levar a psicanálise ao Direito. Mas como se faz isso? Como levar a psicanálise ao Direito de modo a promover de fato estabilizações?
Manoel Motta, mostrando-se honrado e satisfeito com tantas perguntas significativas sobre seu livro, passou a respondê-las. Retomando a pergunta de Angélica sobre o que há de insondável no criminoso e que acentuou que não se trata de objetivá-lo, ele respondeu que isso depende do caso. Em alguns, como no crime das irmãs Papin, certa causalidade do ato é posta em ação. A identificação das criadas com as patroas que substituía a posição problemática da mãe delas é abalada quando a patroa, encontrando a casa às escuras, toca no braço de uma delas, o que poderia ser entendido no máximo como uma pequena agressão.
No entanto, esse toque é vivido como insuportável, desencadeando a passagem ao ato das irmãs, chamada por Lacan de massacre. Quanto à pergunta sobre o ato judicial poder ser esclarecido pela psicanálise, ele vislumbrou, como única possibilidade, a de que os juízes decidissem se psicanalisar e estudar um pouco mais Freud e Lacan.
Ele acentuou que, ao visitar presos, percebeu que uma ideia “humanista” de desresponsabilização leva a uma ideia problemática do crime e que sua proposta de invenção como solução não é fácil no caso da justiça. Citou que o primeiro Diretor da Casa de Correção do Rio de Janeiro, Miranda Falcão, por considerar que os criminosos precisavam de mais castigo além da prisão, ordenou que eles quebrassem pedras. Logicamente, Manoel não chama esta ideia de punir mas de invenção. Marcando que esta ideia já existia, comentou que Miranda Falcão advogava o isolamento total dos presos, o que produziu um grande número de casos de loucura, de delírio. Ele deu um exemplo de uma invenção que lhe pareceu melhor, que não saiu de um tribunal, mas, paradoxalmente, da Igreja Católica, especificamente de um bispo que lhe disse: se Jesus Cristo foi crucificado entre dois ladrões, o povo brasileiro está sendo crucificado entre duas casas, acrescentando: não mencionarei quais (risos).
Quanto à pergunta da Stella sobre o ato criminoso, sobre a ruptura com o Outro, ele disse que, em alguns casos, essa insondável decisão do ser talvez possa ser substituída pelos mecanismos da causalidade. O que dizer sobre a verdade mentirosa, sobretudo quando ouvimos os julgamentos do STF na TV? Enfatizou que há um ritual, um aparelho significante rebuscado e um certo teatro que se mantiveram como restos da monarquia absoluta, inclusive quanto às vestes. Fico procurando no escuro, com uma vela, tal como Diógenes, para ver onde está a luz nesses julgamentos e nas fórmulas dos juízes. Em relação à pergunta de Stella sobre o caso Landru, acentuou que a seu ver, há uma explicação na escrita sintomática de Landru, que precisava anotar tudo o que se relacionava ao ato criminoso, inclusive a hora da morte da vítima. O real da escrita é algo que dá uma explicação.
À pergunta de Stella Jimenez “se ele matava para escrever”, Manoel Motta respondeu que ele matava um pouco para roubar, um pouco por causa desse gozo estranho, pois era tomado pela pulsão de morte. Trata-se de um tipo de esquizofrenia. A hipótese de Biagi-Chai é que, por um lado, ele tinha essa personalidade de fachada – era possível perceber que ele mentia – mas, por outro, havia um lado horrível. Pode-se dizer que se está fazendo uma objetivação ao colocar o gozo mau como dominante. Isso parece muito real: a dimensão do ódio é alguma coisa que, muitas vezes, é subestimada.
Debate:
Mirta Zbrun: relembrando sua participação na banca de doutorado de Manoel, Mirta disse que como iniciou um Seminário na Seção Rio sobre o curso Todo el mundo es loco 11, sua questão tomará como base a indicação de J.-A. Miller no capítulo 17: para encontrarmos a raiz da frase de Lacan “Todo mundo é louco, quer dizer, delirante”? 12, devemos consultar “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano” 13, onde Lacan pergunta: “Quem sou [Eu]?”, e responde: “Sou no lugar de onde se vocifera que o universo é uma falha na pureza do Não-Ser” 14. Resumidamente, sua pergunta foi: de onde Landru vocifera para fazer com as mulheres o que fez?
Romildo do Rêgo Barros: retomando a frase de J.-A. Miller, o crime é o que há de mais humano, ele disse que no fundo Miller faz esta correspondência: crime igual a humano. O interessante é que existe um fundo necessário para a definição do insondável do crime, onde J.-A. Miller situa o humano.
Manoel Motta: sugeriu, já que não poderia responder agora à pergunta de Mirta, que as pessoas se dirigissem ao seminário coordenado por ela para pesquisar isso. Quanto à pergunta do Romildo, reconheceu que talvez tenha atenuado muito a fórmula de J.-A. Miller, que é mais ou menos assim: não há nada mais humano do que Nero, coisas horríveis desse tipo, porque existe no inconsciente uma fascinação com relação a isso. Acrescentou que o ser humano é tocado por aquilo que traz dentro de si, mas talvez não vá fazer essas coisas, o que explica que é possível julgar. O julgamento supõe que quem será julgado e quem está julgando estejam em uma certa comunidade simbólica, na qual o real, que toca a responsabilidade, está presente. Isso não significa diminuir a responsabilidade do criminoso, acrescentando que algumas formas de punição também podem ser criminosas.
Romildo do Rêgo Barros: não há nada mais humano do que o crime quer dizer que o crime vai topar sempre com esse insondável. O crime só pode ser discutido na dissimetria. Em 1950, Lacan diz que é preciso que o criminoso aceite a ideia de que o juiz tem o direito de julgá-lo e de condená-lo. Mas se o juiz é um canalha público, ele perde um pouco essa dissimetria e sua capacidade de julgar fica comprometida. É nesse sentido que a instabilidade do humano pode explicar o crime.
Manoel Motta: Concordando com Romildo, diz que talvez Romildo seja mais severo do que ele, mas que é preciso não esquecer que isso fazia parte de uma tese e não caberia dizer isto assim: a questão é que todo mundo é no fundo criminoso (risos). Lembra que Angélica, quando se referiu à objetivação do criminoso, o criminoso dejeto, abjeto, já apontou para o fato de que, em nosso país, os presos são tratados desse modo. Freixo, que foi candidato a prefeito do Rio de Janeiro, disse que o Brasil é o país que mais prende. Manoel diz que não é verdade, pois estamos em terceiro lugar; de qualquer forma, nossa realidade hoje é a criminalização em massa.
Romildo do Rêgo Barros: se considerarmos que 40% são prisões de não julgados, isso encaixa direitinho no você está dizendo…
Manoel Motta: por isso mesmo, a Ministra Carmem Lúcia propõe uma mudança. Cada um de nós precisa pensar como esta responsabilização está sendo tratada hoje em nosso país. Ele acentuou que o sistema penal, a cadeia, devia ser um lugar de recuperação, de integração, de educação e tratamento. Comentou que Bentham, pai do Utilitarismo, propôs que esses lugares – a escola, a fábrica, o hospital e a cadeia – que ele chamou de Panótico, deviam visar isso, sem contudo considerar suas consequências negativas, como por exemplo levar ao crime. De qualquer forma, ele visava à recuperação, o que, evidentemente, não aconteceu na prática e certamente não acontece hoje 15.
Texto estabelecido por Elisa Monteiro, Maria Angela Maia e Angélica Tironi, a partir da transcrição da gravação desse encontro feita por colegas da Comissão de Biblioteca da EBP-Rio, a quem Elisa agradece.16 |
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