A notícia do falecimento de Serge Cottet trouxe-me um vazio, logo preenchido por muitas e boas lembranças associadas à sua aparência meio taciturna e a seus comentários sintéticos, precisos e lancinantes, que evidenciavam, ao mesmo tempo, humor e afetuosidade. Falo de M. Cottet, professor da Seção Clínica e de Estudos Aprofundados do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris 8 e dos Estudos Freudianos, seminários de Doutorado e encontros imperdíveis.
Entre 1987 e 1991, quando foram trabalhados temas de que ainda me lembro bem – entre outros, a metapsicologia dos anos 1915, Luto e melancolia de Freud, textos freudianos sobre sadismo e masoquismo, bem como sobre o objeto da pulsão, a partir do Seminário IX de Lacan –, era especialmente evidente sua preocupação em traduzir a clínica freudiana em termos de Lacan. Ao final desses seminários, era comum colegas brasileiros e eu explorarmos, como tema de conversa, observações do grande mestre. Quando se tratava de análises, referências a textos básicos de teses em elaboração, cada um de nós ficava em alerta. Bastava uma pergunta pontual de Cottet para o rumo da investigação ser mudado ou o projeto inteiramente redefinido. Os questionamentos dele orientavam, interpretavam e ressoavam: “Essa frase de Lacan daria uma tese”.
Posicionamento que, ainda hoje, me serve de inspiração no meu trabalho como orientadora. Nas Apresentações de pacientes de Levallois, as perguntas e pontuações do psicanalista e clínico arguto eram o que se destacava, principalmente pelos consequentes efeitos sobre os entrevistados. Ao lhe solicitar ser meu orientador no Pós-Doutorado, aceitou prontamente, não, porém, sem antes me perguntar: “Há quanto tempo você esteve no Departamento de Psicanálise pela primeira vez?”. Feitos os cálculos, surpreendeu-nos constatar que já se haviam passado 20 anos desde então! Na minha experiência pessoal, a primeira orientação tinha acontecido “ontem” e a segunda situava-nos no presente de uma jovem e ativa relação com a psicanálise.
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