Vários colegas, em suas homenagens a Judith Miller, falaram do seu legado. O que vai restar de hoje em diante, perguntam-se em substância, daquilo que Judith criou e manteve em vida?
É na dimensão do futuro, de fato, do futuro como irmão-gêmeo do luto, que poderemos achar os efeitos de uma vida de trabalho como a de Judith Miller, dedicada a tarefas essenciais do Campo Freudiano e à presença da psicanálise no mundo. O futuro começa a partir do momento em que parte desse trabalho passa para as nossas mãos.
Uma outra parte Judith levou consigo junto com seu estilo, que alguns de nós retrataram sob a forma de um sorriso inconfundível.
A morte, a menos que se dê a ela um sentido religioso, é a abertura para esse futuro. O legado, portanto, é ao mesmo tempo aquilo que foi realizado em vida e o que ficou como tarefa, a cavalo entre dois tempos. É nesse intervalo que estamos, e é de dentro dele que fazemos a Judith o nosso agradecimento pelo que pudemos aprender da sua vida.
Uns mais e outros menos, muitos de nós terão sido marcados de alguma forma pelas manifestações do desejo pelo qual ela própria foi tocada.
Nossa colega italiana Paola Francesconi retratou bem uma marca ética de Judith citando uma frase sua dita durante uma reunião: “nous n’avons pas des vedettes”, que certamente incluía um “nous ne sommes pas des vedettes”, e era uma advertência contra o risco de um brilho imaginário se sobrepor à dignidade de uma tarefa.
Ricardo Nepomiachi, Serge Cottet, Judith Miller... Eles se foram em um curto espaço de tempo, como se a morte, para nos enganar, pudesse nos fazer crer que se pode morrer em série, quebrando assim a exclusividade que o luto exige.
Mas, não, de forma alguma.
De cada um deles, passado o tempo da perplexidade, ficarão detalhes e lembranças singulares, que vão permanecer em cada um de nós à sua maneira: o sorriso calmo de Ricardo durante as reuniões da Comissão de Garantia América; o jeito irônico, meio imitando o acento proletário parisiense, que tinha Serge de me dizer a cada encontro: “alors, camarade...?”; e a imagem decidida de Judith, que contou em uma entrevista a origem do seu nome judaico dado por seu pai durante a guerra e que ela honrou, opondo-se a quantos Holofernes lhe cruzassem o caminho.
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