[Ação Lacaniana Entre-vista – Nº10] Entrevista a Fred Paulino

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ADR: Gostaria que você nos contasse o que é a Gambiologia.

Fred Paulino: Gambiologia é uma pesquisa sobre como a gambiarra pode ser encarada como uma forma de inovação e um diferencial criativo, que vão muito além do tradicional “jeitinho brasileiro”. É também o nome de um projeto mutante, que se iniciou como uma campanha publicitária em 2008 e consolidou-se no ano seguinte como um coletivo artístico formado por mim e os designers Ganso e Lucas Mafra. A partir daí, iniciamos uma intensa produção autoral de obras eletrônicas que transitavam entre o design de produtos e as artes plásticas, sempre com a proposta de uma estética do improviso em diálogo com as tecnologias. O trabalho rendeu não só uma produção própria que circulou por mostras e festivais no Brasil e exterior, mas também a articulação de projetos envolvendo outros criadores, como as exposições Gambiólogos, em 2010 e 2014, e a revista Facta, além de termos realizado dezenas de oficinas de Gambiologia. Com a dissolução do coletivo em 2015, o projeto diluiu-se em uma plataforma mais livre, que permanece com algumas daquelas iniciativas, além das pesquisas individuais do trio. Esse neologismo meio provocativo, criado há quase 10 anos sem grandes pretensões para nomear a tal campanha, acabou, espontaneamente, tornando-se uma espécie de ciência mesmo, que utiliza a gambiarra como link para reflexão sobre várias questões do mundo contemporâneo, como a indústria da tecnologia, o consumismo, a reutilização de resíduos e mais recentemente a cultura maker, além de buscar e propor um caminho peculiar na estética da arte eletrônica brasileira.

ADR: Lendo um texto seu no blog, você diz: “O uso dos resíduos pode ser não apenas uma forma de expressão criativa mas também política”. Isso interessa aos psicanalistas…. você poderia nos contar um pouco mais a respeito?

Fred Paulino: Vivemos um período em que a macropolítica, segunda sua definição moderna de ser “o conjunto de atividades que, de alguma maneira, têm como termo de referência a pólis, ou seja, o Estado” (segundo a Wikipedia), é compreendida de uma forma tanto quanto superficial. Ela está limitada à disputa de poder entre adversários – cujas opiniões são quase sempre diametralmente opostas – e acaba se tornando um jogo sem vencedor, no qual interessa mais a influência que os políticos exercem sobre parcela da sociedade, em geral favorecendo seus pares, e não a mediação das relações sociais, dos cidadãos entre si e deles com o Estado. Além disso, no contexto de crise, a economia acaba sendo a prioridade maior dos governos, e assim, questões mais sutis, ligadas à inter-relação entre as pessoas, às trocas simbólicas, à cultura material e à atuação do homem sobre o planeta, vão sendo relegadas a segundo plano. A produção e o descarte de resíduos da sociedade (pós-) industrial é um desses temas caros que na prática não são vistos como prioridade; pelo contrário, mesmo sendo bastante explorados pelo marketing corporativo, não vislumbrarmos muitas soluções concretas. Isso é tão comum em nosso cotidiano que é frequente ouvirmos alguém dizer que “vai jogar algo fora”. Fora? Onde? Todo e qualquer lugar é parte do mesmo ecossistema, um planeta que é nosso habitat e de milhares de outras espécies. Essa pauta é emergencial nos dias de hoje, e não é o discurso sobre “sustentabilidade” das corporações que vai sensibilizar as pessoas a refletirem a respeito e adotarem novos hábitos em relação à cultura de consumo e ao descarte mais adequado de resíduos. Nesse sentido, a arte, como uma área do conhecimento que atua na esfera do sensível, pode servir como exemplo e motivação para uma discussão mais efetiva sobre esse cenário. Por isso digo que o artista gambiólogo tem uma atuação política, uma vez que ele recontextualiza criativamente materiais encarados como refugo. Isso se aplica especialmente à indústria da tecnologia, cujo imperativo é o consumo infinito de produtos cada vez mais “modernos” e que evolui sempre de modo linear ou exponencial, do mais antigo para o mais avançado, desprezando qualquer ciclo de reaproveitamento e valorização do obsoleto. O artista gambiólogo, seja por necessidade ou opção, propõe um tensionamento nessa lógica, uma vez que considera as tecnologias de todos os tempos igualmente relevantes e indispensáveis, entendendo essa evolução de forma mais cíclica ou horizontal. Além disso, utiliza intencionalmente os resíduos em suas obras, tratando o dispensado como indispensável e, com isso, como disse o pesquisador Marcus Bastos lá em 2008, resgatando “a espontaneidade do cotidiano das metrópoles”, bem como trazendo “uma reflexão sobre a perecibilidade, deteriorabilidade e reinvenção da tecnologia”.

 

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Imagens:
1. Farnesios, Coletivo Gambiologia
2. Fredpaulino, Nidin Sanches