Orientação Lacaniana

Novembro 2013

 

Um novo texto de Miller

 

Depois de apresentarmos, através da Diretoria na Rede, o Seminário 6de Lacan, Le désir et son interprétation, publicado na França em junho deste ano, apresentamos aqui uma introdução à sua leitura, levada a público por Jacques-Alain Miller no dia 19 de maio de 2013, no encerramento do XI Congresso da New Lacanian School em Atenas:L’Autre sans l’Autre, traduzido por Vera Ribeiro para o português: O Outro sem o Outro.

 

Poucos dias depois, no Encontro das Seções Clínicas em Paris, Miller apresentou o Seminário 6 em seu valor de detalhes (cf. Boletim Latigazo 1) e, em 7 de julho, voltou a falar dele no encerramento do Pipol 6 (Cf.“Uma reflexão sobre o Édipo e seu mais além”).

 

O Outro sem o Outro nos impressiona, não somente pela novidade introduzida por Jacques-Alain Miller na leitura de um Seminário dos anos 1958-1959, de uma perspectiva que leva em conta o último ensino de Lacan e o mundo que nos é contemporâneo, mas também por sua revelação “do grande segredo da psicanálise”, que permaneceu “uma verdade oculta para os próprios psicanalistas”.Só agora podemos tirar todas as consequências da fórmula lançada por Lacan em 8 de abril de 1959: “Não há o Outro do Outro”.

 

A partir dos textos dos Escritos contemporâneos a este Seminário, pode-se concluir que o Outro do Outro nada mais era do que o Nome-do-Pai, elemento destacado por Lacan na metáfora paterna, construída no Seminário anterior. Mas temos aqui uma inversão de perspectiva, na leitura realizada por Lacan, no Seminário 6, do Hamlet de Shakespeare: ao contrário do pai pacificador, um pai patogênico, que ironicamente Lacan transformará, alguns anos depois, em pai-versão.

 

Miller nos guia no percurso de Lacan – o da lalíngua e do real sem lei – contra Lacan– o da linguagem e da ordem simbólica.Assistimos assim à desconstrução da metáfora do pai em prol da metonímia do desejo que faz surgir o S(A/). É a partir daí que o final da análise poderá ser problematizado, impedindo-nos de nos contentarmos com a inconsistência do Outro. Fica aqui o convite para a leitura deste Seminário chave de leitura para as neuroses do nosso tempo, não mais edipianas – talvez hamletianas? A cada um de verificar.

 

 

Elisa Alvarenga

 

O Outro sem o Outro

por Jacques-Alain Miller

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O Outro sem o Outro é meu título [1]. Esse título é uma abreviação, sob uma forma enigmática, de uma frase, uma proposição, um dito de Lacan que se enuncia de um modo conhecido por alguns de vocês: “Não há o Outro do Outro”. Essa fórmula foi lançada por Lacan num certo dia do ano 1959, 8 de abril, durante seu Seminário intitulado O desejo e sua interpretação. Ela comentava a escritura de forma lógica S () e era precedida de uma frase bem feita para mobilizar a atenção dos ouvintes de seu Seminário: “é, se assim posso dizer, o grande segredo da psicanálise” [2], dizia Lacan.

 

“O grande segredo da psicanálise”.
Lacan queria, assim, dar a essa fórmula o valor de uma revelação, no sentido da descoberta, do trazer à luz uma verdade oculta. Verdade oculta para quem? Compreende-se que esse grande segredo era uma verdade oculta, em primeiro lugar, para os próprios psicanalistas, uma verdade desconhecida pelos praticantes da psicanálise. Pensemos - enfim, de todo modo, eu pensei – em uma frase de Hegel em seu curso de estética, quando ele falava dos egípcios, cujos mistérios eram sondados pelos gregos, pelos romanos e por todo mundo, se assim posso dizer. A fórmula de Hegel era a seguinte: os mistérios dos egípcios eram mistérios para os próprios egípcios [3]. Pois bem, da mesma forma – pelo menos é assim que leio essa frase de Lacan -, o segredo da psicanálise, como ele o chama, permaneceu uma verdade oculta para os próprios psicanalistas.
Eu me perguntei se a revelação desse segredo por Lacan, em 1959, foi suficiente para levantar o véu que encobria o Outro sem o Outro. É muito possível que essa revelação não tenha sido registrada, validada, assumida – não estou falando dos alunos de Lacan. Os psicanalistas não acusaram recebimento. E talvez seja apenas hoje, em 2013, que podemos levá-la a sério e dar a ela todas as suas consequências.


Veremos se poderemos pôr essa revelação à prova da clínica quando a NLS estiver em Gand. Não digo qual será o título deste Congresso, mas proponho que este “Outro sem Outro”, que Lacan fez surgir outrora em seu Seminário, nos sirva de bússola. Proponho também que ele nos sirva de bússola para a leitura do Seminário no qual Lacan proferiu essa frase, o Seminário: o desejo e sua interpretação. Esse Seminário será lançado dentro de alguns dias. Ele foi anunciado, inclusive pelo editor, para o dia 6 de junho próximo. De todo modo, fiz o trabalho que me cabia a esse respeito. E espero que, enquanto eu estiver aqui, ele seja impresso como convém, que lhe acrescentem as últimas correções feitas por mim, antes de vir aqui. Proponho, portanto, que esse Seminário sirva de referência para o Congresso da NLS, em Gand.


Depois de ter passado o tempo de redigi-lo ao longo dos anos e ter cernido essa escrita nos últimos tempos, gostaria de dar, aqui, algumas orientações, pelo menos as minhas, para a leitura desse Seminário e, em particular, explicitar diante de vocês esse grande segredo da psicanálise. 


Um momento de báscula
O Seminário comporta, na introdução, a construção do grande grafo de Lacan, chamado por ele de grafo do desejo, cuja edificação ele começara no Seminário 5. Isso compõe os dois primeiros capítulos – o comentário detalhado desse esquema demandaria, evidentemente, um enquadre diferente deste. Depois de sua introdução, a primeira parte do Seminário é dedicada à leitura dos sonhos extraídos de “A interpretação dos sonhos”. A segunda parte reanalisa, de maneira detalhada, um sonho surgido em um tratamento conduzido pela psicanalista inglesa Ella Sharpe. Em seguida, na terceira parte, estão as lições sobre Hamlet. Por fim, um certo número de capítulos dão uma orientação mais geral, que não posso cogitar resumir em meia hora, quarenta e cinco minutos.


Explicitar o grande segredo da psicanálise é, sem dúvida, menos difícil,  porque este se explicita diante de nossos olhos no vasto movimento social que, por toda parte, progressivamente, nas sociedades democráticas avançadas, põe em questão o patriarcado, a prevalência do pai. Pois bem, é precisamente em torno do questionamento do pai, da função paterna que, a meu ver, se organiza a orientação fundamental desse Seminário. E não é por acaso que Lacan tenha ido pescar em “A interpretação dos sonhos” o sonho do pai morto, que visa precisamente a relação de um filho com seu pai e que constitui uma versão da relação pai-filho diferente da versão edipiana típica. E se, por outro lado, Lacan se interessou, nesse Seminário, por Hamlet, é porque precisamente em Hamlet o pai, longe de ser uma função normativa e pacificadora, porta, ao contrário, uma ação patogênica.


Parece-me então não excessivo, mais de meio século depois de ter sido proferido, ler esse Seminário de Lacan, como dizia Yves Vanderveken[4], por suas virtudes proféticas. Lacan deu à fórmula “Não há Outro do Outro” o valor de uma revelação, de um segredo, porque ela era uma proposição que ele próprio desconhecera. Essa proposição constitui um momento de báscula inteiramente decisivo para a sequência  de seu ensino. E não creio que seja o entusiasmo de ter concluído esse trabalho que me faz dizer as coisas nestes termos. Foi preciso, de fato, que Lacan pensasse contra ele próprio para formular “Não há Outro do Outro”. No princípio, ele ensinava o contrário. 


O Outro do Outro: o Nome-do-Pai
No ano anterior, em 1958, ele ensinava o contrário – condenso, junto, aqui, uma de suas fórmulas, ela não figura como tal nem em seus Escritos nem em seus Seminários -, ou seja, há um Outro do Outro. E, se tivéssemos que dar-lhe um nome, seria o nome por excelência: o Nome-do-Pai. Acrescento que isto não é uma interpretação de minha parte. Ou que só é uma interpretação na medida em que decifro a definição do Nome-do-Pai dada por Lacan  no final de seu artigo, que permanece para nós um texto essencial sobre a psicose: “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” [5]. Citarei uma frase desse texto que me faz dizer que, justo antes de proferir “Não há Outro do Outro”, Lacan dizia exatamente o contrário. Os termos nos quais ele formulava o Outro do Outro merecem ser levados em conta de modo muito preciso. Trata-se da definição do Nome-do-Pai dada por Lacan, no final desse artigo, em que ele transmite sua construção da metáfora paterna. Cabe dizer que essa metáfora paterna impressionou de tal forma os espíritos – constatamos isto na França este ano – que ela permaneceu, para o grande público, o essencial do que disse Lacan: ele é aquele que promoveu o Nome-do-Pai a uma função decisiva de normativação, como a pedra angular de tudo o que sustenta o mundo que nos é comum.


No momento em que Lacan constrói essa metáfora paterna, ele dá, muito precisamente, a seguinte definição do Nome-do-Pai: o Nome-do-Pai é o “significante que no Outro, como lugar do significante, é o significante do Outro enquanto lugar da lei” [6]. Basta ler essa definição de modo formal para se dar conta de que ela põe em cena dois Outros, dois estatutos do grande Outro: o Outro do significante e o Outro da lei. E o primeiro Outro, o Outro do significante, é apresentado como contendo o significante do segundo, o Outro da lei, do qual digo que ele vale, desde então, como o Outro do Outro. É assim que decifro esta definição: o Outro da lei é o Outro do Outro. O que Lacan chama de Outro da lei, cujo significante é o Nome-do-Pai, é o Outro do Outro.
Há um tempo, em meu curso, fiz a leitura dessa frase de “Questão preliminar...”. Eu a fiz rapidamente porque ainda não tinha, na época, redigido detalhadamente o Seminário: o desejo e sua interpretação.


Essa frase me permitiu compreender por que Lacan dava uma importância tão grande a esta fórmula misteriosa: “Não há Outro do Outro”.


O que então quer dizer o Outro do Outro se simplifico sua formulação? Quer dizer, de um lado, que a linguagem obedece a uma lei, que ela é sobrepujada por uma lei, que há uma lei da linguagem. Do outro, isso instala o grande Outro como um conjunto de significantes entre os quais há o significante do Outro. E, aqui, não podemos deixar de reconhecer as repercussões da noção logicista – não digo lógica – de Bertrand Russell, que distinguia os catálogos que contêm a si mesmos e os catálogos que não contêm a si mesmos – o que faz do Outro, de fato, um conjunto que contém seu próprio significante. Na época com a qual nos ocupamos, Lacan não explorou esse recurso russelliano que comportava seu conceito de Outro, mas uma grande parte de seu Seminário 16: de um Outro ao outro desenvolve precisamente esse ponto, em referência exclusiva a Bertrand Russell e aos paradoxos que disso podem decorrer, quando se tenta formar um catálogo de todos os catálogos que não se contêm a si mesmos. Ele, então, explora esses paradoxos para o discurso analítico.


A paixão do primeiro Lacan : as leis da linguagem
O que é que Lacan chama aqui de lei, que é a lei da linguagem?
É preciso constatar que o primeiro Lacan constantemente se dedicou, se empenhou em determinar quais eram as leis da linguagem, as leis do discurso, as leis da fala, as leis do significante – isso me impressiona retrospectivamente. Chamo aqui de primeiro Lacan ao que há de anterior ao corte introduzido no Seminário 6, que nega o Outro do Outro, ou seja, o Lacan do “Discurso de Roma”, aquele dos cinco primeiros Seminários. Podemos fazer a lista dessas leis, cuja formulação encontramos em todas as viragens de seus textos e de seus Seminários, e nos damos conta de que elas são diversas, não são de modo algum homogêneas. E isso a tal ponto que se pode dizer que há ali uma espécie de paixão, a paixão do primeiro Lacan: a busca das leis.
Para fazê-los sentir o valor que se pode dar a essa observação, farei um curto-circuito pelo último ensino de Lacan. É este mesmo Lacan que, em seu último ensino, enunciará que o real é sem lei [7]. Ele chegará então a separar de tal modo a linguagem e a lei, que a linguagem aparecerá como um parasita – Miquel Bassols recordava isto[8]. Em seguida, ele renunciará inclusive ao conceito de linguagem, ou, pelo menos, tentará ir aquém desse conceito para designar o que chama de lalíngua – lalíngua  que se diferencia da linguagem na medida em que é, precisamente, sem lei. A linguagem é então concebida como uma superestrutura de leis que capturam lalíngua, esta sem lei. O ensino de Lacan desenvolveu-se, portanto, numa direção totalmente contrária à sua paixão inicial. Ele começou, pode-se dizer, sob a égide da lei e, quanto mais progredia, mais valorizava o sem lei. Pensem na ênfase dada por ele, na clínica, à contingência, ao acontecimento, uma vez que este acontece como por acaso. Caberia evidentemente precisar o que faz uma espécie de juntura entre a lei e a contingência, ou seja, o momento em que Lacan renuncia, explicitamente, a recorrer à lei, no começo de seu Seminário 11, quando ele explica que o inconsciente é mais do registro da causa do que do registro da lei.


Cinco registros da lei
Por que há essa paixão pela lei, no começo do ensino de Lacan? E por que ele renucia a ela, quando enuncia: “não há Outro do Outro”?  Ele nos ensinou a balizar – na linguagem, na fala, nos discursos – diferentes leis, até chegar a esta expressão: a lei. Fiz o esforço de tentar classificar todas essas leis utilizadas por Lacan e explicitadas em sua paixão legalista, se assim posso dizer.


Primeiramente, há as leis linguísticas. São aquelas que Lacan toma emprestadas de Saussure, que conduzem a distinguir o significante e o significado, a sincronia e a diacronia. São aquelas que ele encontra também em Jakobson, que articula e distingue a metáfora e a metonímia. Ele fala delas como leis, como mecanismos.
Em segundo lugar, há a lei dialética, que Lacan vai buscar em Hegel: esta lei propõe que, no discurso, o sujeito só pode assumir seu ser pela mediação de outro sujeito. Lacan a chama de lei dialética do reconhecimento.


Em terceiro lugar, encontramos em Lacan – o que foi muito popular em certa época que não é mais a nossa – as leis matemáticas, como aquelas que ele explora em seu “Seminário sobre a “A carta roubada””, com seu primeiro grafo, o das α, β, γ, δ, que dá o modelo da memória inconsciente.


Em quarto lugar, há as leis sociológicas, as leis da aliança e do parentesco, que ele adotou do livro de Lévi-Strauss sobre as estruturas elementares de parentesco.


E, em quinto lugar, há a lei, ou a suposta lei freudiana, o Édipo do qual o primeiro Lacan fez uma lei, a saber: o Nome-do-Pai deve se impor ao Desejo da Mãe e é sob essa condição que o gozo do corpo se estabiliza e que o sujeito acede a uma experiência da realidade que lhe será comum com outros sujeitos.


Dei-me, então, ao trabalho de enumerar cinco registros da lei: linguístico, dialético, matemático, sociológico e, por fim, freudiano. Quando Lacan começa a refletir sobre a experiência analítica, pelo menos quando começa a ensinar a esse respeito, esses cinco registros da lei são, para ele, constitutivos do que chamou de simbólico.
Mas basta enumerar esses cinco registros para perceber que o simbólico é uma noção tipo saco de amontoados, um catch all category, uma noção pega-tudo, que pega as matemáticas, a linguística, a dialética etc. É isso que constitui, para Lacan, o simbólico, na medida em que ele obedece à lei, repartindo-se nesses diferentes registros.   


A ordem simbólica
Por que Lacan deu uma importância tão central à noção de lei? Foi sem dúvida porque, para ele, a lei era a condição da racionalidade e, inclusive, mais precisamente, da cientificidade. É como se ele obedessece, de certo modo, ao axioma “só há ciência ali onde há a lei”. E podemos, a partir daí, dar todo o seu peso a uma noção que marcou os espíritos e influenciou o público, a tal ponto que, na França – pudemos constatar isto este ano –figurava no primeiro plano dos debates em torno da abertura do casamento para  homossexuais.
Trata-se da noção de ordem simbólica. Essa noção, que pertence ao começo do ensino de Lacan, exprime a solidariedade dos cinco registros da lei no simbólico. Fiquei surpreso de vê-la ressurgir na França, nos últimos tempos, mais de cinquenta anos depois de sua formulação, promovida como a objeção maior à abertura do casamento para homossexuais, à transformação do parentesco, à adoção etc. Não sei como isso acontece na Grécia. No ensino de Lacan, porém, é preciso constatar isto, depois de ter sido promovida, essa noção desapareceu. Lacan a inventou, conduziu, ela surgiu como a base de sua concepção, como essencial à tripartição entre o simbólico, o imaginário e o real e, depois, precisamente, ele não a conservou.


É preciso notar que, nessa noção de ordem, os cinco registros da lei são confundidos. Sob o ângulo da ordem, na perspectiva da ordem, eles de fato aparecem como equivalentes, quer se trate da lei matemática, da lei dialética etc. É como se o traço comum a esses diferentes registros fosse pôr ordem. A lei põe ordem ou exprime a ordem que há. Onde há lei, há ordem. E, no sistema do primeiro Lacan, só há ordem simbólica.
À ordem simbólica se opõe, pode-se dizer, a desordem imaginária. No simbólico, cada coisa, cada elemento está em seu lugar; para falar com propriedade, só mesmo no simbólico há lugares.


No imaginário, pelo contrário, os elementos trocam seu lugar, embora os lugares não se distingam, e não se pode estar certo de que os próprios elementos se distinguem como tais. No imaginário não há elementos discretos, separados, como há no simbólico. É nesses termos que Lacan descreve as relações entre o eu e o outro, que não é senão sua própria imagem no exterior. O eu e o outro invadem um ao outro, rivalizam, guerreiam, só encontram entre si equilíbrios instáveis, embora o imaginário apareça marcado por uma inconsistência essencial e não seja senão, disse Lacan uma vez, “sombras e reflexos” [9].


Quanto ao real, ele está fora da clivagem entre ordem e desordem. Ele é, pura e simplesmente.
Nós nos demos conta, este ano – e foi preciso, num certo sentido, que explicássemos o contrário –, de que a noção de ordem simbólica se tornara popular. Ela assim se tornou para todos aqueles que militam pela proteção da ordem estabelecida, dentre os conservadores. Um mundo regido pela ordem simbólica é, de fato, um mundo no qual cada coisa está em seu lugar, um mundo que é aferrolhado pelo pai, o patriarcado. A desordem que se constata é então logo desvalorizada como sendo imaginária, ou seja, a um só tempo inconsistente e parasitária. Serviram-se, então, da noção lacaniana de ordem simbólica para promover a ideia de uma ordem harmoniosa, regida por leis invariáveis, leis enganchadas ao Nome-do-Pai.


E é preciso dizer que Lacan deu margem a isso, ele deixou uma abertura nesse sentido no começo de seu ensino. Ele pôde dizer, por exemplo, em seu “Relatório de Roma”, eu o cito, que o Nome-do-Pai era o suporte da função simbólica [10]. Que tudo o que é da ordem simbólica tinha o Nome-do-Pai como suporte, o pai encarnando a figura da lei como tal. Mas esse foi o ponto de partida de seu ensino. Depois disso, todo o seu ensino vai no sentido contrário. Se o ensino de Lacan tem um sentido, uma direção, é aquela do desmantelamento metódico, constante, feroz, da pseudo harmonia da ordem simbólica. Foi justamente por ter exaltado a função do Nome-do-Pai, ter-lhe dado todo o seu brilho, que ele pôde, em seguida, questioná-la de maneira radical. 


Desconstrução da metáfora paterna
Há aí uma espécie de ironia da história. O que marcou o público e permaneceu inesquecível foi a forma linguística que Lacan deu ao Édipo freudiano: a metáfora paterna governada pelo Nome-so-Pai. E isso quando todo o desenvolvimento de seu ensino, a partir do corte do Seminário 6, vai na direção do desmantelamento, da desconstrução da metáfora paterna. Podemos precisar isto em diferentes pontos.
Em primeiro lugar, já se pode observar que Lacan só levou adiante o Nome-do-Pai e a metáfora paterna para mostrá-la deficiente, no que concerne à  psicose.


Em segundo, ele mostrou a permanência, enquanto objeto a, de um gozo que não recebe seu sentido da metáfora paterna.


Em terceiro, quando foi excomungado da IPA, tendo, então, renunciado a dar seu Seminário “Os Nomes-do-Pai”, a fim de realizar o Seminário : os quatro conceitos, ele acusa muito claramente, nesse Seminário – releiam-no –, o desejo de Freud como submetido à figura do pai.


Em quarto lugar, em se tratando do Édipo, ele lhe deu o estatuto de um mito que a um só tempo designa e vela a castração, e cessou de fazer dele uma lei. Fez dele um mito, ou seja, uma história imaginária, organizada, mas imaginária.


Em quinto, a metáfora paterna escreve, de certa maneira, a relação sexual sob a forma da prevalência viril sobre a posição feminina materna, o que ele desmentiu por meio do teorema “não existe relação sexual”. Esse teorema arruína a noção de ordem simbólica.


Em sexto lugar, ele, por fim, definiu o Nome-do-Pai como um sinthoma, quer dizer, como um modo de gozar, dentre outros.


E termino com um sétimo ponto, no qual inscrevo o que é, de fato, o ponto primeiro, o ponto de virada a partir do qual começou a desconstrução do Nome-do-Pai como Outro do Outro. No Seminário, livro 3: as psicoses, Lacan anunciava a descoberta da metáfora e da metonímia, as duas figuras de estilo que, segundo Jakobson, resumem toda a retórica. Ele começou por utilizar a figura da metáfora. Ele se serviu dela para formalizar o Édipo freudiano, no Seminário 4: a relação de objeto. Somente depois ele utilizou a segunda figura, a metonímia, para formalizar o desejo. Eu diria que há, aqui, dois termos que se respondem: a metáfora paterna e a metonímia desejante. Lacan trouxe primeiro a metáfora paterna e, em seguida, de um modo que foi menos retumbante, a metonímia desejante. 


Via do Pai ou via do desejo
Aqui, penso em Hércules, o Hércules do mito que é representado diante das duas vias que se oferecem a ele. Da mesma forma, duas vias se abriram diante de Lacan: a via da metáfora paterna e a via da metonímia desejante. Qual via ele, então, seguiu? Primeiro ele formulou, evidentemente, a metáfora paterna, mas a via que ele seguiu em seu ensino – não há equívoco nisto – foi a via do desejo e não a via do pai. No Seminário 4, ele formalizou a metáfora paterna. No Seminário 5 e no Seminário 6, ele construiu um grande grafo de dois patamares, que é estudado em todas as Seções clínicas: o grafo do desejo. Poderíamos nos perguntar por que ele fazia do desejo a função essencial, a ponto de merecer que esse grafo seja designado como tal. Direi o valor que tem para mim, em minha leitura, essa denominação. Ela adquire seu valor precisamente por diferença e por oposição com o nome que esse grafo poderia ter tido e que Lacan afastou: em vez de ser o grafo do desejo, esse grafo poderia ter sido o do Nome-do-Pai.


Qual final da análise?
Suponhamos que Lacan tivesse mantido que há um Outro do Outro e que o Nome-do-Pai fosse o significante desse Outro do Outro. Se ele tivesse mantido o que escrevera no final de seu artigo sobre as psicoses, o elemento fundamental a ser trazido à luz em uma análise, o elemento  determinante para o final da análise seria o Nome-do-Pai de vocês, seria o significante, as particularidades do significante que, para vocês, deu sentido ao gozo do qual o corpo de vocês padece. Então, ao alto e à esquerda do grafo, ali onde se inscreve a resposta última esperada de uma análise, a revelação em que ela culmina, se escreveria como S(A). Isso quereria dizer que o final da análise seria o surgimento do Nome-do-Pai como o significante que designa a lei do ser de vocês como sujeito. Ora, nesse lugar se inscreve: S (). Isso significa que a resposta dada por Lacan à questão formulada pelo sujeito em sua análise não se encontra no nível  da relação com o Nome-do-Pai, que a solução do problema não está no nível da metáfora paterna. Pois, nesse nível, tudo o que o sujeito encontra é a falta de um significante, a falta do significante que designaria seu ser ao designar a lei desse ser.

Faço então surgir, por hipótese, o que seria uma análise cujo final seria a emergência do Nome-do-Pai como o significante da lei do ser do sujeito. Formularei uma segunda hipótese e digo que esta hipótese está fundamentada. Ela está fundamentada no próprio final do texto de Lacan sobre as psicoses, assim como em outra passagem desse mesmo texto. Aqui está ela: poderíamos pensar que a falta de significante seria a solução, que o final da análise poderia ser a revelação de uma falta. A meu ver, é preciso admitir que Lacan levou em consideração essa versão do final de uma análise. É inclusive nesse ponto que ele conclui seu escrito “A direção do tratamento...”, que precede imediatamente o Seminário: o desejo e sua interpretação.

 

Quando vocês lerem o Seminário: o desejo e sua interpretação, eu os aconselho a se reportar a este escrito de Lacan: “A direção do tratamento...”. Vocês verão que o Seminário se encadeia diretamente na quinta parte de “A direção do tratamento...”, na qual Lacan formula uma injunção no que concerne ao analista: “É preciso tomar o desejo ao pé da letra”[11]. O desejo é aqui definido pela metonímia, da maneira mais explícita, ou seja, como um efeito da sucessão dos significantes, como um puro efeito do significante – puro quer dizer um efeito insubstancial, sem substância. E, para mostrá-lo a vocês, basta citar a definição dada por Lacan, com todas as letras, no final de “A direção do tratamento...”: “...o desejo é a metonímia da falta-a-ser” [12]. Não há como dizer melhor o fato de que o desejo, aqui, está em sintonia com a falta, é sem substância, está, com efeito, em sintonia com S (), com a inexistência de uma metáfora terminal que faria surgir uma significação definitiva.

 

Aliás, a esse propósito, Lacan dá uma definição do que é a interpretação do desejo no final de seu escrito. É essa mesma questão da interpretação do desejo que ele começa a examinar em seu Seminário: o desejo e sua interpretação. Todavia, nos damos conta de que, aos poucos, ao longo do Seminário, ela se dilui. A definição da interpretação do desejo dada por ele em seu escrito, é que se trata de indicar a falta, de visar a falta, sem dizê-lo, por alusão – o que ele chama, numa frase poética, de: “reencontrar o horizonte desabitado do ser”[13].

 

Isto quer dizer algo muito preciso: ele considera, então, a possibilidade de que o final da análise seja a assunção, pelo sujeito, do nada que ele é. E é no nível do inconsciente que ele seria nada. Por meio do sonho sabemos, com efeito, que o sujeito é identificado a muitos elementos, que ele é disperso e múltiplo, e que essa multiplicidade traduz precisamente a falta do significante que significaria plenamente seu ser. Em outras palavras,   quer dizer também que nada garante para vocês a verdade de qualquer significante, de qualquer cadeia significante. Nesse sentido, não há  metáfora.

Lacan evocou, portanto, algo da ordem de um final da análise pela metáfora paterna, pela constituição da metáfora paterna, pelo acesso à plena metáfora paterna, mas ele o afastou. Ele afastou o final da análise pelo Nome-do-Pai, o final da análise que seria a revelação do Nome-do-Pai de vocês como designando a lei do ser de vocês. Ele igualmente cogitou que o final da análise pudesse ser a assunção do nada, da falta designada pelo . Um final de análise no qual se revelaria que só se pode assumir a falta e saber que não se pode confiar, que nada garante o sujeito quanto à verdade da boa fé do Outro. Cabe dizer que esse é um final possível da análise. É precisamente o que Lacan chamará, mais tarde, o final da análise que faz do sujeito um não-tolo. O não-tolo é o sujeito que se satisfaz com o grande A barrado, , com a inconsistência do Outro.

No Seminário do desejo, Lacan propõe um terceiro final para a análise. O lugar que será decisivo para Lacan, no que concerne ao final da análise, e isso na sequência de todo o seu ensino, delineia-se, aqui, pela primeira vez. Esse lugar decisivo em que se joga o final da partida da análise não é o Nome-do-Pai, é a fantasia. Percebemos, a partir desse Seminário, que se instalam as linhas que cingem a fantasia como o lugar em que pode estar em questão o final da análise. E essa questão não cessará de circular na sequência  do ensino de Lacan.

 

O Seminário 6 se intitula O desejo e sua interpretação porque dá seguimento, em seu começo, à linha aberta pela conclusão de “A direção do tratamento...”. Mas esse Seminário é justamente feito para contestar a conclusão do escrito de Lacan que lhe deu seu ponto de partida. O Seminário 6 contesta que o final da análise esteja sob a dependência da definição do desejo como metonímia da falta-a-ser. E, cabe dizer, se há alguma coisa que salta aos olhos desde as primeiras páginas do Seminário 6, é que o desejo, tal como Lacan o apresenta aqui, não é mais, de modo algum, uma metonímia da falta-a-ser, ou seja, um desejo definido como puro efeito do significante. O cerne desse Seminário não é a interpretação, mas a relação inconsciente do sujeito com o objeto na experiência desejante da fantasia.


O desejo e a fantasia
Portanto, Lacan nomeia como fantasia a relação sujeito-objeto no desejo inconsciente. E o verdadeiro título do Seminário 6 é, aliás, “O desejo e a fantasia” – pelo menos, foi o que concluí de minha leitura e de minha redação. A fantasia, aqui, está no singular. Não se trata dos devaneios do sujeito, das histórias que ele se conta ou conta ao seu analista; trata-se de uma relação que permanece inconsciente – é preciso seguir, no detalhe, as extraordinárias abordagens de Lacan para cernir uma experiência inconsciente da fantasia. É nesse Seminário que encontramos, uma vez, a expressão – fiz dela o título do capítulo XX – “A fantasia fundamental”, que reencontraremos dez anos mais tarde, quando Lacan elaborará sua teoria do passe como final da análise, a teoria do passe como travessia da fantasia.


Lembro-me de, na época, ter perguntado o que é exatamente essa fantasia fundamental. Pois bem, é nesse Seminário: o desejo e sua interpretação que a fantasia é precisamente pensada no singular e como fundamental, como uma relação do sujeito com o objeto inteiramente diferente da relação do conhecimento. No conhecimento que se tem no âmbito da realidade, há harmonia, congruência, adaptação do sujeito ao objeto. O conhecimento culmina na contemplação, no acordo do sujeito com o objeto. Ele pode, inclusive, desembocar na confusão, na fusão do sujeito com o objeto, o que se busca na intuição.


Mas o desejo de que se trata nesse Seminário não é homogêneo à realidade. O desejo de que se trata é o desejo inconsciente. O objeto do desejo não é um elemento da realidade, como Lacan o considerava até então, não é uma pessoa, não é uma ambição. O objeto que ele chama aqui de pequeno a e que ele inscreve na fantasia, é precisamente o objeto na medida em que ele escapa à dominação do Nome-do-Pai e à metáfora paterna.


Esse objeto não era desconhecido na psicanálise quando Lacan o ressituou na fantasia. Ele era chamado de objeto pré-genital e encontrado sob a forma oral, anal e, eventualmente, se inscrevia nele a fantasia. Mas o interesse ligado a esses objetos, o interesse de gozo ligado a esses objetos era suposto ser absorvido no estádio dito fálico. É o que a metáfora paterna de Lacan traduzia ao fazer emergir o que ele chamava de significação do falo, em sua forma linguística. Isso queria dizer que todo gozo tem a significação fálica quando o desejo chega à maturidade, ou seja, quando ele se situa, por fim, sob o significante do Nome-do-Pai. Por essa razão, pode-se dizer que o final da análise pelo Nome-do-Pai era a ambiçao de todos os analistas que acreditaram na maturação do desejo. Freud já havia podido constatar que não era nada disso. Ele pôde constatar a impotência do Nome-do-Pai em reabsorver todo o gozo sob seu signo. E, inclusive, eram esses restos não absorvidos que, segundo ele, impediam a análise de terminar, obrigavam a retomá-la periodicamente. Pois bem, no Seminário 6, Lacan toma uma orientação sobre esse ponto, que será decisiva para a continuação de seu ensino. Enunciarei essa orientação sob uma forma negativa: não há maturação nem maturidade do desejo como inconsciente – este é um enunciado verdadeiramente básico para a prática psicanalítica de orientação lacaniana. O que, para Freud, eram restos a serem reabsorvidos numa tarefa infinita constitui elementos permanentes aos quais o desejo inconsciente permanece enganchado na fantasia. Trata-se de elementos, ou melhor, substâncias que produzem gozo e que estão fora da significação do falo, como em infração, digamos, no que concerne à castração. São gozos, substâncias gozantes suplementares que Lacan chamará, bem mais tarde, de mais-de-gozar. Esses mais-de-gozar já estão em preparação aqui e o estarão mais ainda no final do Seminário, quando este se dirigir para a sublimação. Esses novos gadgets e todas essas aparelhagens que nos ocupam são, de fato, no sentido propriamente lacaniano, objetos da sublimação. São objetos que se acrescentam: este é exatamente o valor do termo mais-de-gozar introduzido por Lacan. Quer dizer que nessa categoria não se tem apenas os objetos que vêm do corpo e que são perdidos para o corpo, por natureza ou pela incidência do simbólico; há também objetos que repercutem os primeiros objetos sob formas diversas. A questão é saber se esses objetos novos o são completamente ou se eles são apenas formas retomadas dos objetos a primordiais. 


Desejo e pai-versão (père-version)
A consequência que já se pode extrair do Seminário 6, e o direi uma vez mais de forma negativa, é que não há normalidade do desejo. O desejo inconsciente permanece ligado, na fantasia, a gozos que, em relação à norma idealizada pelos psicanalistas, permanecem intrinsicamente perversos, gozos perversos. A perversão não é um acidente que sobreviria ao desejo. Todo desejo é perverso, na medida em que o gozo nunca está no lugar em que a pretensa ordem simbólica gostaria que ele estivesse.


Por essa razão, mais tarde, Lacan poderá ironizar sobre a metáfora paterna, dizendo que ela é também uma peversão. É uma ironia no sentido em que ele escreve pai-versão (père-version) para significar uma versão, um movimento em direção ao pai. Essa ironia, porém, designa alguma coisa de capital: é que o pai não pode ser confundido com o Nome-do-Pai, ele não pode ser reduzido a um puro significante, instaurando uma ordem simbólica total e consistente, porque, se for o caso, se o pai joga como sendo o Outro do Outro, o Outro da lei, então ele expõe sua descendência ao risco da psicose.


A ironia de Lacan vai longe – e termino neste ponto porque sei que muitos de vocês trabalham com sujeitos psicóticos e que este é também o tema deste Congresso de Atenas. A ironia de Lacan sobre a pai-versão dá, de fato, uma teoria da psicose inversa à teoria permanecida clássica. Não é a foraclusão do Nome-do-Pai, mas, pelo contrário, sua excessiva presença, que é a mola da psicose. O pai não deve ser confundido com o Outro da lei. É preciso, ao contrário, que ele tenha um desejo enganchado e regulado por uma fantasia cujo objeto seja, ocasionalmente, um gozo estruturalmente perdido.


Seminário 6 termina, vocês o constatarão, abordando a perversão. Ele termina, em primeiro lugar, abordando uma clínica da perversão, opondo o  voyeurismo e o exibicionismo. Com efeito, é na passagem ao ato do voyeurista e do exibicionista que podemos ver encarnar as modalidades da fantasia inconsciente.
Durante todo o Seminário, Lacan falava de uma fantasia inconsciente da qual não há a experiência direta, sendo preciso, portanto, reconstituí-la. Ele termina esse Seminário encarnando a lógica da fantasia pela passagem ao ato do voyeurista e do exibicionista. Aqui, vemos, com efeito, a relação desarmônica, conflitual entre o sujeito e o objeto.


O Seminário termina, portanto, abordando a perversão. Ele termina primeiro abordando uma clínica da perversão e, em seguida – para impelir a provocação até aqui –, fazendo um elogio da perversão no sentido comum, precisamente da homossexualidade, uma vez que ela representaria a revolta do desejo contra a rotina social, ou seja, contra a pseudo ordem simbólica. Portanto, é de maneira inteiramente abusiva que se acreditou poder classificar Lacan, no que concerne à questão da homossexualidade, entre os reacionários. Acredito que as páginas ali publicadas são decisivas. Por fim, o Seminário 6 anuncia o Seminário: a ética da psicanálise que, sob esse título, buscará articular a relação entre o desejo e o gozo.


A interpretação
Vou concluir este percurso com o tema da interpretação. O ponto de partida do Seminário é, portanto, a noção explicitada por Lacan em seu escrito: a interpretação do desejo deve incidir sobre o nada. Ele deu a ela a célebre imagem do São João Batista, de Leonardo, apontando com seu dedo para um lugar vazio. O ponto de chegada desse Seminário – e isto só será explicitado por Lacan bem mais tarde – é que a interpretação incide sobre o objeto a. A interpretação não incide sobre o nada, ela incide sobre o objeto a da fantasia, sobre o gozo como proibido e dito nas entrelinhas.


Como, então, ler o Seminário 6? Eu diria que é um Seminário encruzilhada, um bivium, duas vias estavam abertas para Lacan. Está claro que ele não seguiu a via do Nome-do-Pai, mas a do desejo que o conduziu a levar em conta o gozo. Para nós que o lemos, uma vez que temos uma ideia do percurso de Lacan em seu conjunto, vemos como se traçam nele as pistas que nos levaram à nossa prática de hoje assim como à nossa política. 

 
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Não precisei o tema do próximo Congresso da NLS, que acontecerá em Gand. Caberá às instâncias fazê-lo. De todo modo, nesse Seminário, há com o que apoiar todos os trabalhos clínicos que se possa almejar. Um veio importante me parece ser o seguinte: a oposição entre a ordem fechada do pai – a metáfora é sempre um ponto de paradae aquilo que o desejo, ao contrário, comporta de irregular e de fundamentalmente deslocado. Talvez se possa ressaltar esse veio nos fatos clínicos [14].

 

Transcrição: Dossia Avdelidi


Texto estabelecido por: Anne Lysy e Monique Kusnierek, não revisto pelo autor.


Tradução: Vera Avellar Ribeiro

 

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N O T A S

1- Apresentação do tema do próximo Congreso da NLS em Gand (maio de 2014), apresentado como encerramento do XI Congresso da NLS, “O sujeito psicótico na época Geek “, Atenas, 19 de maio de 2013.

2- Lacan, J., Le Séminaire, livre VI, Le désir et son interprétation, Paris, Éditions de La Martinière, Le Champ freudien, 2013, p. 353.

3- Hegel G. W. F., Esthétique, tomo primeiro (1835, posth.), p. 111 da edição eletrônica – http://classiques.uqac.ca – realizada a partir do texto de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Esthétique, tomo primeiro, Paris, Librairie Germer-Baillère, 1875, segunda edição, tradução francesa de Ch. Bénard. Cf. também Vorlesungen über die Ästhetik, em Theorie Werkausgabe, Bd. 13, Frankfurt am Main, Suhrkamp, p. 465, (nota dos tradutores).

4- Cf. a intervenção de Y. Vanderveken, que precedeu a intervenção de J.-A. Miller por ocasião do Congresso, a ser publicada em Mental, n° 30.

5- Lacan, J., Escritos, Rio de Janeiro, J.Z.E., 1998, pp. 537-590.

6- Ibid., p. 589.

7- Lacan J., O Seminário, livro 23: o sinthoma, Rio de Janeiro, J.Z.E, 2007, p.133.

8- Cf. intervenção de M. Bassols por ocasião do Congresso da NLS em Atenas, a ser publicada em Mental, n° 30.

9- Lacan J., « O seminário sobre “A carta roubada” », Escritos, op. cit., p. 13.

10- Lacan J., Escritos, op. cit., p. 279.

11- Lacan, J., « A direção do tratamento e os princípios de seu poder », Escritos, op. cit, p. 626.

12- Ibid., p. 629 et p. 646.

13- Ibid., p. 648.

14- Em uma troca com o Presidente de sessão, depois de sua intervenção, J.-A. Miller acrescentou estas observações: “[...] Não faremos um congresso sobre a perversão, a não ser que a escrevamos como Lacan: père-version (pai-versão) [...] É um seminário cuja clínica é essencialmente a da neurose. [...] Podemos explorar a determinação do lugar onde se situará o final da análise”.