O assassinato da vereadora Marielle Franco não constitui um crime ordinário, fruto da violência urbana, mas um ato de execução sumária com conotações políticas daqueles que se colocam como inimigos do gênero humano. Nossas discussões, há poucos dias atrás, no Fórum “Por que apenas existem raças de discurso: desafios da democracia”, mostraram que a força do contágio dos racismos no mundo constitui uma doença letal para a vida democrática e republicana. A luta que Marielle sempre travou contra a discriminação racial e pela diversidade de gênero é exemplo vivo para as conquistas da democracia. Uma sociedade restrita aos ideais da legalidade e da norma jurídica é incapaz de se contrapor ao racismo que se revela, ao longo dos tempos, uma arma privilegiada das tendências obscurantistas e conservadoras da sociedade brasileira. O momento atual demonstra que, inclusive buscando recursos no Direito, o Estado pode promover as expressões de retrocessos e obscurantismo próprios dos regimes de exceção. Insistimos, por consequência, que a democracia não se confunde com o “juridicismo": seu vigor e suas conquistas substanciais exigem uma conversação intensa e assídua sobre as grandes direções indispensáveis à vida e à civilização. Nessa conversação, o nome de Marielle Franco (que já nos era uma referência) torna-se agora, pela luta que ele sustentava e o modo brutal como foi riscado da existência, um marco ainda mais incontornável.
Jésus Santiago
responsável por ZADIG doces&bárbaros Rede Internacional de Política Lacaniana
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